Louise Glück é uma poeta americana nascida em Nova York em 1943. Publicou seu primeiro livro de poesia, “Firstborn”, em 1968, e desde então escreveu mais de uma dúzia de coleções de poesia aclamadas pela crítica.

    A obra de Glück é conhecida por explorar temas como a natureza, a morte, a família e a identidade. Admirada pela poeta brasileira Ana Cristina Cesar, seus poemas muitas vezes apresentam uma linguagem simples e direta, mas ao mesmo tempo carregada de significado. Glück foi agraciada com vários prêmios literários, incluindo o Prêmio Pulitzer de Poesia em 1993.

    Louise Glück
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    Além de sua escrita criativa, Glück também trabalhou como professora de literatura em várias universidades, incluindo o Williams College e a Yale University. Em 2020, ela foi laureada com o Prêmio Nobel de Literatura “por sua inconfundível voz poética que, com beleza austera, torna universal a existência individual”. Abaixo você vai conhecer 10 poemas de Louise Glück:

    1. A rosa branca (Louise Glück)

    Isto é a terra?
    Então não sou daqui
    Quem és tu na janela acesa,
    agora à sombra
    das folhas trêmulas do viburno?
    Podes sobreviver onde não vou durar
    Além do próximo verão?
    A noite inteira os galhos esguios da árvore
    movem-se e sussurram à janela iluminada.
    Explica a minha vida,
    tu que não fazes sinal algum,
    embora eu chame por ti na noite:
    não sou como tu, tenho apenas
    meu corpo como voz; não posso
    desaparecer no silêncio —
    E na manhã fria
    sobre a superfície escura da terra
    vagueiam ecos da minha voz,
    brancura que firme se consome em escuridão
    como se finalmente fizesses um sinal
    para me convencer de que também
    não pudeste sobreviver aqui
    ou para me mostrar que não és
    a luz que chamei
    mas o breu atrás dela.

    (tradução de Maria Lúcia Milléo Martins)

    2. Violetas

    Porque em nosso mundo
    alguma coisa sempre escondida,
    pequena e branca,
    pequena e o que chamas
    pura, não lamentamos
    como lamentas, caro
    mestre sofredor; tu
    não está mais perdido
    do que nós, sob
    o pilriteiro, o pilriteiro que sustenta
    harmônicas bandejas de pérolas: o que
    te trouxe entre nós
    que te ensinaríamos, embora
    ajoelhes e chores,
    juntando tuas grandes mãos,
    em toda a tua grandeza nada
    sabendo da natureza da alma,
    que nunca há de morrer: pobre deus triste,
    ou nunca tiveste uma
    ou nunca perdeste uma.

    (tradução de Maria Lúcia Milléo Martins)

    Louise Glück
    Nesta coletânea enxuta, de apenas quinze poemas, estão os temas que consagraram Louise Glück como uma das vozes mais apaixonantes da literatura contemporânea: a solidão, a exaustão, o trauma, as descobertas da juventude e as reflexões que acompanham o envelhecimento. COMPRE NA AMAZON

    3. O lírio prateado (Louise Glück)

    As noites ficaram frias de novo, como as noites
    de começo de primavera, e quietas de novo.
    Será que a conversa te incomoda? Estamos
    sozinhos agora; não temos razão para silêncio.
    Vês, sobre o jardim — a lua cheia nasce.
    Não verei a próxima lua cheia.
    Na primavera, quando a lua nascia, significava
    que o tempo era infinito. Anêmonas
    abriam e fechavam, as sementes
    em cachos caíam dos bordos em pálidas lufadas.
    Branco sobre branco, a lua nascia sobre o vidoeiro.
    E no arco em que a árvore se divide,
    folhas dos primeiros narcisos, ao luar
    prata-verde-claras.
    Juntos, chegamos
    perto demais do fim para agora
    temermos o fim.
    Nessas noites, não estou nem mesmo certa
    de que sei o que significa o fim.
    E tu, que estiveste com um homem —
    depois dos primeiros gritos,
    não faz a alegria, como o medo,
    barulho algum?

    (Tradução de Maria Lúcia Milléo Martins)

    4. Flores silvestres (Louise Glück)

    O que estão dizendo? Que querem
    vida eterna? Seus pensamentos são mesmo
    tão arrebatadores assim? Com certeza
    não olham para nós, não nos ouvem,
    em sua pele mancha de sol, pó
    de botões-de-ouro: estou falando
    com vocês, vocês que olham fixamente
    por entre os talos de grama alta agitando
    o pequeno guizo — Ó alma! alma! Basta
    olhar para dentro? Desdém
    pela humanidade é uma coisa,
    mas por que desprezar o vasto campo,
    seu olhar elevando-se acima das nítidas cabeças
    dos botões-de-ouro silvestres em direção a quê?
    Sua pobre ideia de céu: ausência
    de mudança. Melhor que a terra? Como
    saberiam, se não estão nem
    aqui nem lá, eretas entre nós?

    (tradução de Maria Lúcia Milléo Martins)

    5. O dilema de Telêmaco

    Nunca consigo decidir
    o que escrever
    nas lápides de meus pais. Sei
    o que ele quer: ele quer
    amado, o que por certo
    vai direto ao ponto, particularmente
    se contarmos todas
    as mulheres. Mas
    isso deixa minha mãe
    a descoberto. Ela me diz
    que isto não lhe importa
    para nada; ela prefere
    ser representada por
    suas próprias conquistas. Parece
    pura falta de tato lembrar aos dois
    que alguém não
    honra aos mortos perpetuando
    suas vaidades, suas
    projeções sobre si mesmos.
    Meu próprio gosto dita
    precisão sem
    tagarelice; eles são
    meus pais, consequentemente
    eu os vejo juntos,
    às vezes inclinado a
    marido e mulher, outras a
    forças opostas.

    (tradução de Pedro Gonzaga)

    6. Parábola da fera (Louise Glück)

    O gato anda em círculos na cozinha
    com o passarinho morto,
    sua nova possessão.
    Alguém deveria discutir
    ética com o gato enquanto ele
    perscruta o débil passarinho:
    nesta casa
    nós não exercemos
    a força deste jeito.
    Diga isso ao animal,
    seus dentes já
    fundos na carne de outro animal.

    (Tradução de Pedro Gonzaga)

    7. Sirena

    Me tornei uma criminosa ao me apaixonar.
    Antes disso eu era uma garçonete.
    Eu não queria ir para Chicago contigo.
    queria que casasses comigo, queria
    que tua esposa sofresse.
    Queria que a vida dela fosse como uma peça
    em que todos os partes são tristes partes.
    Pode uma pessoa decente
    pensar assim? Eu mereço
    reconhecimento por minha coragem —
    Sentei-me no escuro de teu alpendre.
    Tudo estava claro para para mim:
    se tua mulher não te deixava partir
    era prova de que não te amava.
    Se ela te amasse
    não queria que fosses feliz?
    Considero agora que
    se eu sentisse menos poderia
    ser uma pessoa melhor. Eu era
    uma boa garçonete,
    conseguia equilibrar oito drinques.
    Eu costumava te contar meus sonhos.
    Noite passada eu vi uma mulher sentada num ônibus escuro —
    no sonho, ela chora, o ônibus em que está começa a partir. Com uma das mãos
    ela abana; com a outra, golpeia
    uma caixa de ovos cheia de bebês
    O sonho não resgata a donzela.

    (Tradução de Pedro Gonzaga)

    8. Mãe e filho

    Somos todos sonhadores; não sabemos quem somos.

    Alguma máquina nos criou; a máquina do mundo, a constritiva família.
    Então, de volta ao mundo, polidos por suaves chicotes.

    Sonhamos; não lembramos.

    A máquina da família: pelagem negra,
    florestas do corpo materno.
    A máquina da mãe: a cidade branca
    dentro dela.

    E antes disso: terra e água.
    Musgo entre as pedras, pedaços de folha e grama.

    E antes, células numa imensa escuridão.
    E antes disso, o mundo velado.

    É por isto que você nasceu: para me calar.
    Células de minha mãe e de que pai, é a sua vez
    de ser fundamental, de se tornar uma obra-prima.

    Eu improvisei; eu nunca me lembro de nada.
    Agora é sua vez de se deixar guiar;
    é você quem exige saber:

    Por que eu sofro? Por que sou ignorante?
    Células numa imensa escuridão. Alguma máquina nos criou;
    é sua vez de se dirigir a ela, de ficar perguntando
    qual é meu propósito? Qual é meu propósito?

    (Tradução de Pedro Gonzaga)

    Luisa Glück
    Capa de uma coletânea lançada no Brasil com algumas poesias da autora, de 1997. LIVRO RARO

    9. Gratidão

    Não pense que não sou grata por tuas pequenas
    gentilezas.
    Gosto de pequenas gentilezas.
    De fato as prefiro à gentileza mais
    substancial, que está sempre a te cravar os olhos,
    feito um grande animal sobre o tapete
    até que tua vida inteira se reduza
    a nada além de levantar manhã após manhã
    embotada, e o sol luminoso rebrilhando em seus caninos.

    (Tradução de Pedro Gonzaga)

    10. Ítaca (Louise Glück)

    O ser amado não
    precisa viver. O ser amado
    vive na cabeça. O tear
    é para os pretendentes, suspenso
    como uma harpa de brancos filamentos.
    Ele era duas pessoas.
    Era corpo e voz, o fácil
    magnetismo de um homem vivo, e então
    o sonho revelado ou a imagem
    formada pela mulher manejando o tear,
    ali sentada num salão cheio
    de homens de mentes literais.
    Se te causa pena
    o mar enganado que tentou
    levá-lo para sempre
    e devolveu apenas o primeiro,
    o verdadeiro marido, deverias
    sentir pena desses homens: eles não sabem
    para o que estão olhando;
    eles não sabem que quando alguém ama dessa maneira
    o manto se torna um vestido de casamento.

    (Tradução de Pedro Gonzaga)


    Referências:

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