Em “Cartas para um jovem poeta”, Rainer Maria Rilke tece de forma muito sábia essa construção do “ser” artístico, que envolve toda uma vida.

    É sempre curioso a forma como chegamos até algum livro, pois esse “chamado” literário é composto de tantas coisas da vida que quando acontece uma investigação mais aprofundada podemos encontrar maravilhas sobre nós mesmos.

    Vivo, há alguns bons anos, esse dilema de me perceber cada vez menos leitora. E claro que isso me consome e me deixa triste. No entanto, como eu não desisto – porque sei da riqueza e de quantas alegrias e aprendizados já tive no universo literário que abandonar esse caminho seria como abandonar a mim mesma.

    Então, um pouquinho antes de pensar nas resoluções para 2024, pensei que seria bacana ter um livro sendo lido no Kindle, de forma a ler um pouco mais por dia pelo fato de ter acesso ao livro pelo celular. Assim, amarrei outra coisa que considero importante: fazer uso das coisas que compro! Eu assino o Amazon Prime e mal usufruo de todas as funcionalidades. Uma delas é o acesso a alguns livros de forma gratuita. Dessa forma, a ideia é: estar lendo sempre pelo menos um livro no Amazon Prime para: usar o benefício e ler um pouco mais…

    E não é que deu muito certo? Não pesquisei muito, o livro de Rilke apenas apareceu na tela do Kindle e eu já fiquei curiosa. O título: “Cartas a um jovem poeta” não era totalmente desconhecido para mim. Observei a quantidade de páginas. É um livro pequeno. E considerei uma boa escolha para retomar meu processo como leitora e também não me frustrar com uma leitura inacabada por não conseguir me concentrar, não conseguir ajustar o tempo da vida etc etc…  

    Muito obrigada, poeta Rilke. Eu já te amo.

    Sobre o autor

    O poeta nasceu em Praga em 1975. Sua vida como artista das palavras o levou a morar em Paris e na Suíça, local em que faleceu em 1926, de leucemia. Estudou filosofia, literatura e arte e seu trabalho se destaca por adentrar em universos românticos, refletir sobre Deus e também abraçar as nuances modernistas da época. Ao ler Rilke será comum sentir que se está diante de algo leve e amoroso, mas de repente, ele te dá um soco.

    No Brasil, as poesias do autor fizeram muito sucesso e teve suas primeiras traduções feitas por Manuel Bandeira, Cecília Meireles e Augusto de Campos. Cartas a um jovem poeta possui tradução de Pedro Sussekind.

    Carta a um jovem poeta – por que e como?

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    Rilke recebeu de verdade a carta de um fã. E respondeu essa carta de forma brilhante. É isso. Franz Xaver Kappus, que admirava o poeta e também queria ser escritor, começou uma amizade por meio de correspondências com Rilke entre 1902 a 1908. O livro “Carta a um jovem poeta”, contém as respostas (as 10 cartas) de Rilke para Franz.

    Serenidade e seriedade: o “ser” artístico

    Alguns temas comuns vão surgindo nas cartas. Rilke está respondendo a uma pessoa insegura sobre si mesmo e sobre sua profissão. Então, entre grandes reflexões profundas sobre a vida em si, o livro traz também algumas nuances de autoajuda, sim sim! Mas de uma forma boa. Muito boa, porque não cai em jargões bobos. Rilke constrói um mergulho nas palavras para então te dar um sentido compreensivo em relação à vida. É muito bonito.

    Em outros momentos, seus pensamentos vão para a beira, para a linha tão sutil entre franqueza, grosseria e ceticismo em relação à qualidade das poesias de seu novo amigo que…. nos faz pensar o quanto aguentamos em relação a crítica sobre o nosso próprio trabalho. E, curioso, o próprio Rilke nos informa que, como artista, se estamos preocupados com a crítica, se esperamos que a nossa arte possua algum tipo de validação há aí um problema, como se ainda não tivéssemos prontos para isso. E ele tem total razão.

    Em “Cartas para um jovem poeta”, o autor vai tecendo de forma muito sábia essa construção do “ser” artístico. Ele fala sobre:

    • como a solidão é algo que gera uma potência criadora ao mesmo tempo em que ela é reconhecida como uma ferida na alma;
    • fala também de um campo mais técnico sobre os momentos adequados de usar a ironia na produção artística;
    • sobre a urgência e a calma entre se reconhecer como pessoa – primeiramente – mas de uma maneira verdadeira, para depois externar isso em uma arte, pois só assim ela será única;
    • busca um diálogo constante com a simplicidade da vida transformada em extraordinário;
    • Sobre o amor às próprias perguntas, sem a necessidade de encontrar respostas de forma imediata. A vida em si se encarrega das respostas. A vida é uma resposta ao passado; aos nossos ancestrais…
    • Sobre o sentimento amor e sua construção através do tempo. O amor jovem, o amor maduro…
    • A presença e ausência de Deus…
    • A necessidade de ter coragem para encarar as solidões da vida. O autor usa muito o termo solidão, no sentido da importância de se sentir bem sozinho para depois compartilhar a vida com outras pessoas.

    “Gostaria apenas de aconselhá-lo a passar com serenidade e seriedade pelo período de seu desenvolvimento. Não há meio pior de atrapalhar esse desenvolvimento do que olhar para fora e esperar que venha de fora uma resposta para questões que apenas seu sentimento íntimo talvez possa responder, na hora mais tranquila.” (p. 14)

    Segundo Rilke um dos elementos artísticos mais importantes é a paciência. A construção do ser artístico vem com o tempo – e não o tempo do relógio, mas o tempo “como se a eternidade se encontrasse diante deles, com toda a amplidão e a serenidade, sem preocupação alguma.” (p.17)

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    Paixão pelos livros

    Rilke escreve também sobre seus autores preferidos. Ele fala sobre o quanto é maravilhoso ler e reler esses livros que possuem esse poder de sempre nos contarem alguma coisa diferente, mesmo quando já conhecemos o enredo. Esse é o poder dos livros eternos, dos clássicos, dos bons! Seus autores preferidos são: o romancista J.P. Jacobsen e o poeta e escultor Auguste Rodin.

    Eu não conheço esses dois autores, no entanto, as cartas focadas em convencer o jovem poeta sobre o poder desses livros funcionam para todos os livros suficientemente bons. No meu caso, foi impossível não lembrar das minhas escritoras preferidas: Virginia Woolf e Hilda Hilst. Rilke diz:

    “O senhor experimentará a grande felicidade de ler esse livro pela primeira vez, passando por suas incontáveis surpresas como em um sonho renovado. Mas posso lhe dizer que, mesmo depois, o leitor volta sempre a percorrer esses livros com espanto, e que eles não perdem nada do seu poder fantástico, persiste seu caráter fabuloso, com o qual cumularam quem os eu pela primeira vez.” (p. 17)

    O ser humano

    Por se tratar de um autor do início do século XX, muitos temas comuns a hoje em dia não são explorados e isso é normal. No entanto, é importante destacar as passagens que Rilke traça um pensamento relacionado ao homem e a mulher de forma brilhante:

    “Talvez os sexos tenham mais afinidade do que se considera, e a grande renovação do mundo talvez venha a consistir no fato de que o homem e a mulher, libertados de todos os sentimentos equivocados e de todas as contrariedades, não se procurarão mais como adversários, mas como irmãos e vizinhos, unindo-se como seres humanos, para simplesmente suportar juntos, com seriedade e paciência, a difícil sexualidade que foi atribuída a eles.” (p. 23)

    “A menina e a mulher, em seu desdobramento novo e próprio, serão apenas de passagem imitadoras dos vícios e das virtudes masculinos e repetidoras das profissões dos homens. Depois da incerteza dessas transições, o que se revelará é que as mulheres só passaram por todos esses sucessivos disfarces (muitas vezes ridículos) para purificar sua própria essência das influências deformadoras do outro sexo. As mulheres, nos quais a vida se instala e habita de modo mais imediato, frutífero e cheio de confiança, no fundo precisam ter se tornado seres humanos mais maduros, mais humanos do que o homem, pois ele não passa de um ser leviano, que é mergulhado sob a superfície da vida pelo peso de um fruto carnal, que menospreza, arrogante e apressado, aquilo que pensa amar. Essa humanidade da mulher, realizada em meio a dores e humilhações, virá à tona quando ela tiver se livrado das convenções do exclusivamente feminino nas transformações de sua situação interior. E os homens, que hoje não a sentem vir ainda, serão surpreendidos e derrotados por essa humanidade. Um dia (já agora, especialmente nos países nórdicos, os indícios confiáveis a favor disso são eloquentes), um dia se encontrarão a menina e a mulher cujos nomes não significarão apenas uma oposição ao elemento masculino, mas algo de independente, algo que não fará pensar em complemento ou em limite, apenas na vida e na existência: o ser humano feminino.” (p. 36)

    E o jovem poeta?

    A intenção das cartas, então, era aconselhar um jovem poeta. Rilke consegue isso ao final do livro? De meu ponto de vista, acredito que sim, pois até mesmo surge um poema de Franz que, segundo Rilke, atingiu o esperado do artista: a pureza, a elevação, a escrita sem as amarras. Como conselho, Rilke pede para que o jovem poeta leia sua obra em voz alta, mas reescrita com a letra de outra pessoa, pois dessa forma será possível vivenciar a poesia como algo pertencente ao mundo e não mais a si mesmo. Assim como o livro “Cartas a um jovem poeta”, que deixou de ser cartas endereçadas a uma única pessoa e passou a ser endereçadas a todo mundo. Impossível ler e não sair transformada, pelo menos um pouquinho…

    Assista ao vídeo “Cartas a um jovem poeta” no canal Livro&Café:

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