“Construção” é uma obra-prima da música popular brasileira, escrita e interpretada por Chico Buarque. Lançada em 1971, durante um período de repressão política no Brasil, a canção é uma poderosa reflexão sobre a vida, a morte, o trabalho e a alienação.

    A música Construção narra a história de um trabalhador comum, um operário, que cai de um andaime e morre durante a construção de um edifício. A letra é marcada por uma estrutura narrativa não linear, alternando entre descrever o andamento da construção e a inevitabilidade da morte do trabalhador. Essa técnica cria uma atmosfera de tensão e urgência, destacando a fragilidade da vida humana e a brutalidade do ciclo de trabalho.

    Um aspecto notável da música é o uso de recursos poéticos, como aliterações, assonâncias e jogos de palavras, que contribuem para a sua riqueza lírica e a intensidade emocional. A melodia, composta por Chico Buarque, é sombria e melancólica, reforçando o tom sombrio da letra.

    Além disso, “Construção” é uma poderosa crítica social, que aborda questões como a desigualdade, a exploração do trabalhador e a alienação no contexto urbano-industrial. A figura do operário é apresentada como um símbolo da classe trabalhadora, cujas vidas são sacrificadas em nome do progresso material.

    Ao longo dos anos, “Construção” tornou-se um hino de resistência e protesto, continuando a ressoar com o público brasileiro devido à sua relevância atemporal e à sua capacidade de provocar reflexão sobre questões sociais e humanas profundas.

    Construção
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    Construção (Chico Buarque)

    Amou daquela vez como se fosse a última
    Beijou sua mulher como se fosse a última
    E cada filho seu como se fosse o único
    E atravessou a rua com seu passo tímido

    Subiu a construção como se fosse máquina
    Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
    Tijolo com tijolo num desenho mágico
    Seus olhos embotados de cimento e lágrima

    Sentou pra descansar como se fosse sábado
    Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
    Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
    Dançou e gargalhou como se ouvisse música

    E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
    E flutuou no ar como se fosse um pássaro
    E se acabou no chão feito um pacote flácido
    Agonizou no meio do passeio público
    Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

    como se fosse o último
    (Beijou sua mulher) como se fosse a única
    (E cada filho seu) como se fosse o pródigo
    E atravessou a rua com seu passo bêbado

    Subiu a construção como se fosse sólido
    Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
    Tijolo com tijolo num desenho lógico
    Seus olhos embotados de cimento e tráfego

    Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
    Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
    Bebeu e soluçou como se fosse máquina
    Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
    E tropeçou no céu como se ouvisse música

    E flutuou no ar como se fosse sábado
    E se acabou no chão feito um pacote tímido
    Agonizou no meio do passeio náufrago
    Morreu na contramão atrapalhando o público

    Amou daquela vez como se fosse máquina
    Beijou sua mulher como se fosse lógico
    Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
    Sentou pra descansar como se fosse um pássaro

    E flutuou no ar como se fosse um príncipe
    E se acabou no chão feito um pacote bêbado
    Morreu na contramão atrapalhando o sábado

    Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
    A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
    Por me deixar respirar, por me deixar existir
    Deus lhe pague

    Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
    Pela fumaça, desgraça que a gente tem que tossir
    Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair
    Deus lhe pague

    Pela mulher carpinteira pra nos louvar e cuspir
    E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
    E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir
    Deus lhe pague

    Análise de 3 trechos selecionados da música Construção

    “Amou daquela vez como se fosse a última / Beijou sua mulher como se fosse a última / E cada filho seu como se fosse o único”

    No trecho, Chico Buarque descreve a intensidade com que o trabalhador vive seus momentos finais, demonstrando amor por sua família. A expressão “como se fosse a última” sugere a consciência da proximidade da morte e a urgência em aproveitar cada momento. A ideia de amar “cada filho seu como se fosse o único” destaca a singularidade e a importância de cada indivíduo na vida do trabalhador, enquanto também ressalta a precariedade da existência humana.

    “E marchou para o céu como se fosse o último / Como se fosse máquina / Como se fosse só”

    No verso, há uma forte metáfora que compara o trabalhador à máquina, sublinhando a desumanização do trabalho na sociedade industrial. A palavra “marchou” sugere uma marcha inexorável em direção à morte, como se o trabalhador estivesse predestinado a esse fim. A repetição da expressão “como se fosse o último” enfatiza a noção de finalidade e a brevidade da vida.

    “E tropeçou no céu como se fosse um bêbado / E flutuou no ar como se fosse um pássaro / E se acabou no chão feito um pacote flácido

    O trecho encapsula magistralmente a tragédia da morte do trabalhador na construção, utilizando metáforas vívidas e uma linguagem poética para transmitir a inevitabilidade e a brutalidade do evento. Além disso, essas imagens contrastantes ressaltam a dualidade entre a sensação de liberdade e a realidade da morte, criando uma poderosa reflexão sobre a fragilidade da vida humana.

    Uma verdadeira obra de arte

    A letra de “Construção” de Chico Buarque é uma verdadeira obra de arte em termos de riqueza lírica e uso magistral de metáforas. Ao longo da música, Buarque tece uma narrativa complexa e multifacetada, usando metáforas vívidas para explorar temas como vida, morte, trabalho e alienação. As metáforas presentes na música não apenas enriquecem a experiência auditiva, mas também ampliam o significado e a profundidade das letras, convidando o ouvinte a uma reflexão mais profunda sobre os temas abordados. Desde as imagens poéticas da queda do trabalhador, comparada a um tropeço embriagado no céu e a um pássaro que flutua no ar antes de se tornar um “pacote flácido” no chão, até as alusões sutis à exploração da classe trabalhadora e à efemeridade da vida humana, as metáforas de “Construção” transcendem as barreiras da linguagem e ressoam com uma poderosa ressonância emocional e social. Em suma, a habilidade de Chico Buarque em utilizar metáforas é fundamental para a criação de uma obra-prima da música brasileira que continua a inspirar e provocar reflexões profundas até os dias de hoje.

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