Virginia Woolf nos mostra em várias obras a sua paixão pela natureza. Desde os seus primeiros trabalhos, como o caso de Kew Gardens, aos mais experimentais, como As Ondas, ela utilizou a natureza para relacionar à vida humana. Para Katherine Mansfield, também escritora, no conto Kew Gardens “há uma luz serena, trêmula, cambiante, e a impressão de que os casais estão se dissolvendo no brilho da atmosfera” (p. 436)*.

No ano de 1919, o primeiro registro de Virginia Woolf em seu diário é sobre a sua dificuldade em voltar a escrever, porque ela ficou quinze dias de cama, pois subtraiu um dente. A própria escritora afirma do exagero, mas se rendeu ao quarto e à cama, ficando nas entrelinhas a natureza depressiva da autora, mas também a clara preocupação de seu marido que a aconselhou a não escrever muito e poupar-se de quaisquer aborrecimentos. Para Virginia Woolf, foram raros os momentos em que a escrita era diversão. Ela levava o seu ofício muito a sério e a sua autocrítica chegava a lhe fazer muito mal.

No dia 20 de janeiro, ela considera que o texto de seu diário não deve ser levado tão a sério, faz uma reflexão ao diário do ano anterior e o acha ruim, como um galope rápido e desorientado com que vai seguindo, por vezes, até com intoleráveis solavancos no empedrado. (p. 137). Na sequência, se coloca como uma outra pessoa e faz uma reflexão sobre o seu futuro:

“Virginia Woolf, aos cinquenta anos, sentada à sua mesa a construir memórias a partir desses cadernos, foi incapaz de fazer uma frase como se deve ser, só lhe posso dar os meus pêsames e lembrar-lhe que há lareiras, onde lhe dou licença para queimar estas páginas até ficarem em outras tantas películas finas e negras com pontos vermelhos.” (p. 138)

Ela também lembra que o seu aniversário de 37 anos está próximo, o que esclarece para os leitores o fato de que Virginia Woolf, quando começou a publicar, já estava em sua maturidade plena.

Em 12 de maio de 1919, Virginia Woolf fez uma releitura do seu conto Kew Gardens. Ela, sempre preocupada com a qualidade de sua obra, considerou-o vago, frágil e curto (p. 157), não compreendeu porque Leonard Woolf o achou tão bom, um dos melhores que ela havia escrito até então. No mesmo dia, aproveitou para reler A Marca na Parede e achou-o cheio de defeitos. Surpreendente é, por fim, a sua reflexão sobre literatura e crítica:

“O que há de pior na literatura é uma pessoa ficar tão dependente de louvores. Tenho certeza absoluta de que não vou ter nenhum com este conto; e que pouco vou me importar com isso. Privada de louvores, é difícil começar a escrever pela manhã; mas o abatimento só dura meia hora, e assim que começo a escrever esqueço-o completamente. Uma pessoa devia fixar-se, seriamente, o objetivo de não dar importância aos altos e baixos; um elogio aqui, o silêncio além, (…) a realidade permanece estável, e a realidade é o meu prazer na arte. E desconfio de que estas neblinas do espírito tem outras causas; embora estejam profundamente ocultas.” (p. 158)

Em junho, Virginia Woolf discutiu com a sua irmã sobre o projeto gráfico de Kew Gardens. Vanessa, que fazia as xilogravuras para a irmã, ficou irritada com Virginia ao ponto de dizer que nunca mais iria ilustrar quaisquer outros trabalhos da irmã. Porém, sabemos que isso foi apenas uma briga familiar e que não resultou em qualquer perda sentimental entre as duas.

Assim ficou a primeira edição de Kew Gardens:

Kew Gardens, 1ª edição, Hogarth Press, 1919

Você pode conferir mais fotos da 1º edição aqui. 

Em junho Kew Gardens já estava sendo vendido. A princípio foram 90 exemplares que deram trabalho aos Woolfs, que muito se empenharam na produção dos livros. Era um reconhecimento para a Hogarth Press, editora deles, mas, principalmente ao trabalho de Virginia Woolf.

A Marca na Parede, neste mesmo mês, recebeu ótimas críticas nos jornais da época, bem com o romance A Viagem, que já estava fazendo sucesso também nos EUA.

Virginia Woolf feliz, se sentindo especial, escreve que Gosto de pequenos goles; mas vale a pena examinar com vagar a psicologia da fama (p. 161)

Assim como escreveu Katherine Mansfield, não era apenas o brilho da atmosfera que pairava em Kew Gardens, mas também o reflexo de uma Virginia Woolf empoderando-se da própria arte.

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Referências:
*Contos Completos, Virginia Woolf, notas de Leonard Fróes, CosacNaify
Diário, vol. I, tradução de Maria José Jorge, Bertrand de Portugal, 1987. 

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