Escolhi O Cortiço porque ele é o expoente do movimento naturalista no Brasil, vertente que radicalizou o realismo na literatura. Mas também porque ele fala da questão urbana, especialmente a moradia do povo pobre.

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    Tenho prestado muita atenção aos mecanismos de narrativa utilizados pelos autores que leio e apreendi, além do tom crítico de Aluísio de Azevedo, a sua habilidade na construção dos personagens. As transformações que cada um sofre ao longo da história são uma aula e tanto. A personalidade característica de cada um é abalada pelos acontecimentos e pouco a pouco, em uma evolução convincente e rica, esses mesmos personagens contradizem com suas atitudes o que lhes era mais notável. É um determinismo pesado que angustia, mas que é bonito de ver em um romance escrito antes de Skinner.

    Assim como a riqueza e a cadência do enredo, as descrições de acontecimentos marcantes para a vida daquela gente são feitas com ritmo e mestria. É um livro que merece uma leitura atenta, palavra por palavra.

    O Cortiço é um livro importante para a literatura, mas acredito que exista também nela um peso considerável para a compreensão das cidades. 

    Notas sobre O Cortiço: os paralelos sociais

    Guardadas as devidas proporções para não cair no anacronismo, ainda assim é possível fazer o paralelo entre o cortiço e a favela, entre o barulho e o baile funk, entre a polícia quebrando os pertences das gentes em suas casinhas e a polícia dando enquadro a torto e a direito, entre o incêndio no cortiço e na favela, na ocupação. 

    Sabe-se que os habitantes dos cortiços foram de lá expulsos pela reforma higienistas e empurrados, até às favelas anos depois. Como se não bastasse viver em uma sociedade que produz pobreza na mesma proporção em que produz lucro, a pobreza marginalizada e criminalizada. E o lucro é tudo como mérito, depois, obviamente de se varrerem todos os privilégios de classe e raça, as enganações e os crimes para debaixo do tapete. 

    Notas sobre O Cortiço: a ressonância dos dias atuais

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    Ilustração para o livro O Cortiço, Fayga Ostrower. 1944.

    O pensamento higienista continua firme e forte, construindo as fortalezas dos condomínios fechados, das câmeras de segurança, da vigilância privatizada. A polícia segue sendo armada e invadindo as moradias populares matando gente a torto e à direito. Uma leitura de um livro escrito no final de 1800 ainda encontra ressonância dos dias atuais. 

    Aluísio de Azevedo possuía uma visão crítica e pessimista, ninguém escapa da fúria da realidade cruel em sua narrativa. Eu não consigo admitir que esse povo do cortiço fosse tão inconsciente e volúvel. Afinal, será que não há um resquício de poder no indivíduo espremido pelas engrenagens da roda viva? Não sei como era naquele tempo, mas hoje me alegra saber dos slams, das ocupações, dos clubes de leitura, das rinhas de Mc’s, enfim, de todo espaço de construção de uma mínima autonomia de pensamento e ação em meio a esta sociedade tão corroída pelo ideal fascista.

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