Em Grande Irmão, romance da escritora americana Lionel Shriver, o assunto principal da história é – aparentemente simples – uma mulher que possui um irmão com obesidade mórbida e que decide ajudá-lo a viver de forma saudável. E se alguém me falasse que essa premissa traria um livro incrível, eu desconfiaria.

    Na literatura não importa a história e sim o modo como a história é contada. O que mais encontro são livros com uma história interessante, porém contada de uma forma ruim, banal, sem graça, que não aproveita a gama completa de possibilidades que a língua – seja portuguesa, inglesa, alemã, etc – permite. Ou seja, quanto mais o escritor dominar a linguagem, quanto mais o escritor entender a literatura como um instrumento artístico, maior a probabilidade de seu texto se transformar numa obra-prima, independente da história que ele está contando.

    Dietas não me interessam. É claro que se alguém chegar para mim e dizer, “olha esse creme, é só passar na pele que a estria some”, “opa, me dá, quanto é? 100 reais?”. “Que legal, passei e realmente sumiu na hora, muito bom!”, “uia, e não é que funciona”. E fim, segue o jogo, a vida e tudo. O que digo é: o que está disponível para melhorar a minha aparência e for verdadeiro (que ainda não existe), prático, rápido e indolor, tô dentro, se não com licença que tenho outras coisas para fazer.

    Então, com esse pensamento firmado sobre achar um porre dietas malucas e afins, por que eu quis ler Grande Irmão? Os motivos são pouco, mas suficientes: 1.) Todos os livros de Lionel Shriver que li, amei. 2.) Ela tem o domínio da linguagem e vai atrás dos detalhes mais complexos da vida. 3.) Tem irmão no título do livro e eu tenho dois.

    O início da leitura

    No início da leitura o que mais gostei foi o próprio texto, Lionel tem um clareza impressionante, seus parágrafos são longos, ao mesmo tempo simples e com informações complexas. Admirável. E algo também interessante: as frases não são feitas para marcar e usar nas redes sociais, como frases de impacto, que resumem as coisas da vida. O impacto que Lionel causa acontece no final dos capítulos, por conta do que ela constrói nos longos parágrafos. Ou seja, há presença de figuras de linguagens (metáforas, paradoxos, antíteses, etc), porém não como uma alegoria boba para enfeitar frases, mas sim para solidificar os personagens e a própria história.

    E falando neles, O irmão chama-se Edson, a irmã Pandora. São filhos de um ator famoso em decadência. Ele é músico de jazz, ela uma empresaria no ramo de bonecos para adultos. Aliás, esses bonecos são um caso à parte, gostei muito deles, ao ponto de imaginá-los entre nós: são bonecos que imitam pessoas, feito sobre encomenda e há uma pequena cordinha atrás de cada um, que repete frases (os jargões) da pessoa escolhida. É claro que imaginei os bonecos para várias pessoas que conheço, porém, como a própria Pandora diz, esses bonecos são engraçados, mas também cruéis, pois podem revelar o que a pessoa tem de melhor e pior.

    Saiba mais sobre a autora: Entrevista com Lionel Shriver

    Os irmãos se reencontram no aeroporto, Pandora vai buscá-lo para passar 2 meses na sua casa, antes dele iniciar uma turnê de jazz pelo mundo. Mas ela não o reconhece, pois em vez do irmão magro ela encontra um homem com mais de 170 quilos à sua frente.

    Um susto. Um impacto. Olhos que não reconhecem o próprio irmão. Medo de falar, de perguntar o que aconteceu. E a tentativa fracassada de fingir que está tudo bem.

    Há uma grande diferença em estar 10 quilos acima do peso e 100 quilos acima do peso. Como uma pessoa saudável se deixa levar por tantos doces, tortas, pudins, salgados, coxinhas, refrigerantes, milk-shake, brigadeiro, pizza, lasanha, queijo, pão de torresmo, hummm… que delícia…. Osp, foco! E de repente o que o espelho mostra não é mais saúde e sim doença.

    A comida como escape

    No caso de Edson, um músico bem sucedido ao ponto de esquecer a humildade e se considerar muito importante para todos à sua volta, recebe uma grande pancada da vida que ele tenta esquecer comendo. Comendo. Mas comendo muito. Comendo tudo à sua volta até que, por falta de opção, ele vai atrás de sua irmã Pandora. E o que era uma história sobre pessoas que comem demais e precisam de uma dieta rigorosíssima, se transforma numa história sobre família, sobre irmãos, principalmente, e marido, e filhos, e tudo que compõe o edifício frágil chamado relacionamento.

    A epígrafe do livro, retirada do site Eating Disorder Foundation é: “A indústria da dieta é o único negócio lucrativo do mundo com um índice de insucesso de 98%”. E mesmo com essa verdade escancarada no início do livro, Lionel Shriver leva a personagem Pandora a se agarrar nos 2% de sucesso para ajudar o irmão. Nós, como leitores, abraçamos a ideia com a narradora da história, uma mulher profundamente humana e verdadeira, que transforma a obesidade do seu irmão numa análise emocionante sobre como a vida é.

    Assista ao vídeo sobre Grande Irmão no canal Livro&Café:

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