“Isso de mexer com quem está quieto
    pode chamar tempestade” (p. 40)

    Algumas histórias, mesmo que passadas em um mundo tão diferente, conseguem exemplificar cada particularidade da vida, o que nos faz crer que, de alguma maneira, todos estamos no mesmo barco. É como ler um livro sobre o sertão, por exemplo, e amá-lo sem nunca ter pisado lá. Em Hora do Ruminantes, José J. Veiga, nos apresenta um mundo muito diferente, estranho, surreal, mas também muito próximo à realidade da vida, pois as atitudes dos personagens fazem uma relação muito clara com os dilemas da vida cotidiana.

    A palavra “Ruminante” é usada para classificar os animais quadrúpedes e, como verbo, “ruminar”, pode ser relacionado ao ato de tornar a mastigar um alimento que volta do estômago para a boca, e também pode ser empregada ao ato de meditar, planear, cogitar. “A Hora dos Ruminantes” quer dizer tudo isso e mais um pouco. A história, dividida em 3 partes (A chegada, O dia dos cachorros e O dia dos bois”) traz diversas possibilidades de interpretação, seja por embates sociais, culturais e, principalmente sobre aquelas que modificam o ambiente e depois os próprios homens.

    Com a chegada de estrangeiros misteriosos, a vida pacata da cidade de Manarairema muda completamente, desde o simples fato da curiosidade do povo em relação aos novos moradores aos acontecimentos surreais a qual a pequena cidade sobrevive e, apesar dos personagens, cada qual muito particular em suas características, A Hora Dos Ruminantes é uma história sobre o consciente coletivo, o olhar que um grupo de pessoas (de um bairro, uma cidade, um país) tem sobre um outro grupo ao ponto de deixar os dois lados espantados.

    O leitor possui a visão da história apenas do lado dos moradores de Manarairema, o outro lado, invadido por um grupo de estrangeiros, fica sendo o lado desconhecido e que provoca a mudança no comportamento dos habitantes da pequena cidade. A princípio é uma curiosidade boba, mas se torna uma teia complexa de aproximação, pouca conversa e diversos desentendimentos. Pois, de uma forma opressora, o lado de lá, tenta persuadir os simpáticos moradores a fazerem o que eles desejam. E os moradores, diferentes entre si, sentem medo, coragem, raiva, vingança e passividade.

    O conceito de literatura fantástica é empregado quando o inusitado, o diferente, coisas que não existem, acontecem na obra. No caso de A Hora Dos Ruminantes é a invasão dos animais (cachorros e bois) na cidade, ao ponto das pessoas não terem por onde caminhar e sentirem medo de sair de suas casas. Já o conceito do Realismo, como o próprio nome sugere, é quando uma obra consegue mostrar a realidade nua e crua da vida. O que José J. Veiga fez no livro é o Realismo Fantástico, por um lado os elementos surreais, de outro o cotidiano de pessoas comuns, que tentam se adaptar à vida, antes e depois de cachorros, bois e estrangeiros aparecerem do nada.

    A grande beleza do livro está na forma como cada personagem lida com as situações inusitadas. Não há o estranhamento no sentido do choque sobre o que é diferente, mas o que acontece é uma transformação social, a partir daquilo que as pessoas não estão acostumadas a lidar, mesmo sendo uma invasão absurda de animais ruminantes, e a forma como elas encaram o dia seguinte, em que o fantástico foi embora e a vida – dura e difícil – bate à porta.

    “Mas os males ainda inéditos, o trabalho de passar a vida a limpo, as revisões, o desentulho… – saberiam eles aproveitar certo as lições?” (p. 134)

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