Talvez seja difícil entender a admiração e apreço que a torcida do São Paulo Futebol Clube ainda conserva por Telê Santana, ao qual sempre se refere carinhosamente como “mestre”. Mas pra mim, com naturalidade as coisas se clareiam ao me lembrar de um fato da minha infância. Era início da década de 90. Meu pai trabalhava como policial rodoviário e com alguma frequência parava personalidades da tv nas estradas da região. Cantores, repórteres, atores, esportistas, etc. Eu tinha seis para sete anos de idade, meu pai me conta, quando ele chega do trabalho com alguns itens do São Paulo FC, que ganhou do então jogador Juninho Paulista ao encontra-lo na estrada. Eu fiquei feliz da vida, mas meu pai me disse tempo depois que após ganhar os mimos eu não me contive: “Pai, mas você não viu o Telê? Você tem que prestar atenção e parar o Telê. Fala pra ele que eu sou fã dele.”

    Telê Santana não conseguiu apenas o respeito e admiração de uma criança de seis anos. Ao Mestre Com Carinho, O São Paulo da Era Telê lançado, de Felipe Morais, que acaba de sair pela Editora Inova (352 pág) consegue traduzir muito bem em palavras, o que para torcedores só se conheça em sentimento e gratidão. Felipe Morais, publicitário e professor, autor de outros livros voltados mais para a sua área (planejamento e marketing), registra nesta obra a vida e carreira de Telê Santana da Silva. Para os são paulinos “Mestre Telê”; ou para os que conviveram com ele “Seu Telê”.  O que de fato pode se notar, é sempre um tom de muito respeito e admiração.

    Telê nasceu em 26 de julho de 1930, em Minas Gerais. Torcedor do Fluminense, chegou a esperar pelos jogadores do tricolor carioca em um hotel quando ainda era adolescente, mas tímido, não teve coragem de falar com seus ídolos. Pouco depois, nesta mesma equipe, passou em um teste e iniciou sua carreira como jogador, passando posteriormente por Guarani, Madureira e Vasco. Como treinador, antes de se tornar um ícone lembrado por qualquer torcedor do tricolor paulista após as conquistas, entre outros campeonatos, do Brasileiro de 1991 e do Bi-Libertadores e Bi-Mundial de 1992 e 1993, Telê treinou o próprio Fluminense, Atlético Mineiro, Grêmio, onde foi campeão, mas amargou por alguns anos da fama de pé-frio devido aos fracassos frente a Seleção Brasileira nas Copas do Mundo de 1982 e 1986.

    “Mestre Telê era um enorme perfeccionista. Diferentemente dos treinadores estrategistas, Telê montava seu time de acordo com o que tinha de melhor e onde cada peça pudesse render mais. Telê não era teórico, e sim prático, montava o time analisando peça a peça, posicionamento e onde mais pudesse render.”  (pág. 91)

    Não são poucos os relatos do quanto era difícil o convívio com Telê Santana. Nos aspectos pessoais, era um “pão-duro” e “rabugento”. No que se diz ao lado profissional, mesmo tendo condições de morar em um apartamento oferecido pelo São Paulo Futebol Clube nos anos que treinou a equipe, Telê fazia questão de morar no Centro de Treinamentos. Ali, cuidava de perto da qualidade do gramado de treino, e tomava também conta de todos os detalhes envolvendo seus jogadores, inclusive no que se referia a vida pessoal deles. Não queria ver seus comandados com carros importados se estes ainda não tivessem uma casa própria por exemplo. Há relatos de jogadores que se desfizeram de seus carros do ano, pois não seriam aceito por Telê em sua equipe. Mesmo assim, todos estes jogadores se mostram gratos até hoje pelas lições que aprenderam com Telê. Suas broncas eram como as de um pai que quer bem seus filhos. Tratava sua equipe como uma família, e talvez a isso se deve parte de seu sucesso com seus jogadores.

    “Telê era muito rabugento, muitas vezes os jogadores ficavam muito chateados e bravos. Em um churrasco no CT, em muitos casos, o assunto mais comentado eram as broncas de Telê. Certa vez, após encher Cafu de broncas, Raí, Zetti e Ronaldão, os líderes do time de 1992, foram falar pra Telê maneirar com o garoto de apenas 22 anos. Telê se irritou e ficou alguns dias sem dar bronca em ninguém, o time sentiu isso e pediu pra Telê voltar a ser Telê. E ele o fez. Telê era, muitas vezes, uma pessoa calma, e piadista, mas ao ligar o botão “trabalho” ele era o mais rígido de todos, sempre com um foco: a perfeição.” (pág. 163)

    O livro seria apenas mais uma biografia no meio futebolístico não fosse o trabalho minucioso do autor em entrevistas e pesquisas com nomes muito importantes e ativos da história do São Paulo Futebol Clube e do Estádio do Morumbi. Entre eles estão Homero Bellintani Filho, filho de um dos fundadores do São Paulo 1935; Moraci Sant’anna, preparador físico amigo e conselheiro de Telê por muitos anos. Muricy Ramalho, que foi seu auxiliar técnico. Diversos jogadores como Raí, Pintado, Zetti, Muller, Ronaldão; e torcedores ilustres do Tricolor Paulista como Nasi (Ira!), Nando Reis, Andreas Kisser, Tony Ramos, Lima Duarte, entre outros.

    Por capricho do destino, fui convidado no início deste mês para o lançamento desta obra em um evento fechado dentro do Estádio do Morumbi. Não tive a sorte de conhecer o Telê, ou de meu pai tê-lo parado em uma blitz quando criança. Mas tive a oportunidade de conhecer o autor do livro e ouvir de pessoas que participaram desta obra e que fazem parte da construção do clube, histórias que engrandecem ainda mais meu respeito por Telê Santana e sua geração do início dos anos 90. Não à tôa, seu nome ainda ecoa naquele estádio pela voz dos torcedores. Não estranhe se um dia for assistir a um jogo no Estádio Cícero Pompeu de Toledo, e de repente a torcida começar a gritar: “Olê, olê, olê, olê… Telê, Telê!”.

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