Alguns meses atrás, quando escrevi sobre o livro Todo mundo merece morrer, apresentei Clarissa Wolff como uma daquelas pessoas que parecem fazer de tudo. Em janeiro, depois de dois chai lattes e quase três horas de conversa (incluindo uma volta pela livraria e dicas de leitura, e outra volta pela farmácia e dicas de skincare), pensei que poderia acrescentar que, além de fazer de tudo, Clarissa é daquelas pessoas que falam de tudo, que pensam de tudo e que sentem de tudo.

Ex-booktuber com o canal A Redoma de Livros, comunicóloga em uma empresa de cosméticos e colunista da Carta Capital, Clarissa Wolff, que teve seu romance de estreia publicado em 2018, fala um pouco sobre seu processo de escrita (ou a falta dele) e sobre sua relação com a literatura na entrevista abaixo:

Livro & Café: Você diz que não tem um processo de escrita. Então, como você lida com as ideias que surgem? Todas elas acabam em um papel? Como saber quais “valem a pena”?
Clarissa Wolff: Eu não vejo como se existissem ideias. Eu trabalho com comunicação e estratégia de marketing, e nesse trabalho existem ideias e é preciso experiência, estudo, repertório e um pouco de intuição para se identificar as boas ideias. Mas a escrita, pra mim, não vem de ideias. O processo criativo nesses dois casos é muito diferente. No desenvolvimento da ficção, se fosse pra usar uma metáfora, seria como descobrir verdades que sempre estiveram ali – e existe pouco esforço em saber quais valem a pena, porque minha decisão não vale nada. São as histórias que mandam, elas que decidem quando devem ser contadas. Acho que o papel do artista é muitas vezes colocado no pedestal, mas ele é só um escavador.

Livro & Café: Como nasceu o Todo mundo merece morrer? Como foi o processo até a sua publicação?
Clarissa Wolff: A semente da história veio em uma conversa com meu namorado sobre o que aconteceria se houvesse um atentado na linha verde do metrô de São Paulo. A estrutura da história caiu quase de supetão, completa, e os personagens surgiram aos poucos. Demorei dois anos para escrever todas as histórias, seis meses só pra um dos capítulos… Foi um processo longo, dolorido às vezes, de roubar tempo em fins de semana na rotina de trabalho e tratamento.

Livro & Café: Sobre a pluralidade de vozes do livro, como você decidiu qual seria a melhor forma de relatar cada história?
Clarissa Wolff: Cara, minhas respostas são as mais cretinas – mas eu não decidi nada. É sempre o personagem e a história que pedem, que definem sozinhos quem eles são e como precisam ser retratados. Eu sou só um instrumento.

Livro & Café: Em A arte de pedir, Amanda Palmer comenta que acredita que todo artista coloca parte da sua vida e experiência naquilo que produz. O processo de criação é, então, como o processo de bater algo em um liquidificador; dependendo da velocidade e do tempo essas referências ficariam mais ou menos perceptíveis. Como você encaixa a sua vida no livro? Como usar suas próprias experiências em personagens que causam tanta repulsa?
Clarissa Wolff: Algumas situações retratadas ali aconteceram exatamente como descritas: a Helena do primeiro capítulo escuta histórias no metrô que eu mesma ouvi; a consulta com o médico do penúltimo capítulo aconteceu comigo. Por outro lado, acho que as referências, o repertório enfim, são, é claro, muito importantes: por isso se fala tanto que todo escritor deve ler muito. Mas não acho que, de modo geral, elas acabem acontecendo de forma consciente: o liquidificador é a própria vida e a mistura final não mostra de onde veio cada ingrediente. No fim nem eu sei.

Livro & Café: Como é ser uma escritora no Brasil? E, principalmente, como é ser uma mulher que escreve sobre questões como pedofilia, machismo e racismo, ou mesmo sobre livros na Carta Capital, em um momento de medo e retrocessos?
Clarissa Wolff: Eu acho que, como em qualquer terreno e trabalho, é preciso se esforçar 100 vezes mais como mulher para ter o mesmo reconhecimento de um homem. Acho que em qualquer lugar do mundo a crítica dá mais atenção para homens brancos. Existem iniciativas como a VIDA Count que provam isso – e também existem iniciativas como as listas do Book Riot que trazem sempre a proporção de indicações equivalente à proporção de habitantes dos EUA (metade mulher, um terço de pessoas que não sejam brancas). Acho que o Brasil está vivendo um período muito triste social e politicamente, e acho que nesses momentos é interessante pro status quo que haja um silenciamento da arte (que é tão política, tão transformadora). Por isso também acabaram com o Ministério da Cultura. Por outro lado, acho que esses são sempre os momentos em que devemos gritar mais alto. E acho que o meio cultural do Brasil está respondendo a esse impulso, sim. Espero ver cada vez mais.

Livro & Café: Lembro de você comentar em um vídeo que usava o tempo no hospital para ler, chegando a terminar um livro por dia. E hoje? Como você encaixa a literatura na sua vida?
Clarissa Wolff: Depois que comecei a trabalhar, o hábito da leitura diminuiu muito na minha vida. Foi só quando houve uma decisão consciente de colocar a literatura como uma das minhas prioridades que ela voltou de forma um pouco mais consistente: cada escolha é uma renúncia (Charlie Brown Jr.) e ver um vídeo no YouTube ou na Netflix é abrir mão de ler. Então houve uma decisão de priorizar o hábito na minha vida. Atualmente, tento mirar em 40 livros por ano e me sinto já bastante orgulhosa. Com a vida doida que a gente leva, já é um feito e tanto.

Fiz uma resenha do livro Todo mundo merece morrer para o site Valkirias, que você pode ler aqui. E o livro pode ser adquirido na Amazon.

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