Sorte foi o título escolhido por Nara Vidal para seu primeiro romance, publicado pela Editora Moinhos em 2018. Narrado em primeira pessoa com um deslizar para a participação de um narrador onisciente aos eventos que narra.

    Sorte: algumas das acepções no Dicionário online Priberam da língua portuguesa incluem: “combinação de circunstâncias ou de acontecimentos que influem de um modo inelutável”; “tendência para acontecimentos positivos ou favoráveis”; “série de desgraças ou desgostos”. Já o Dicionário online Michaelis, embora apresente uma acepção negativa do termo, enumera um maior número de aspectos positivos para a definição de sorte: “força desconhecida e poderosa a que supostamente se atribuem os acontecimentos e o seu desenrolar e que independente da vontade do ser humano”; “resultado imprevisível”; “o que caracteriza uma pessoa favorecida pela felicidade, boa estrela, fortúnio”; “acontecimento casual e favorável”, dentre outros. Geralmente, quando pensamos em sorte, pensamos com mais frequência no bom encaminhar dos acontecimentos que favorecem alguém ou que trazem desfechos felizes. Ou, raras vezes, nos remetemos a este caráter de Destino, de Fortuna, de Força que preside e está por trás das ações humanas, dando a ele o nome de sorte.

    Nara Vidal
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    Sorte foi o título escolhido por Nara Vidal para seu primeiro romance, publicado pela Editora Moinhos em 2018. Narrado em primeira pessoa com um deslizar para a participação de um narrador onisciente aos eventos que narra, o livro traz a história de duas mulheres, uma negra e uma branca, vivendo em partes opostas do Atlântico, cujos destinos irão se entrelaçar de maneira inelutável.

    Uma ilha mítica

    Margareth, a narradora de boa parte da história, era integrante de uma família irlandesa, empobrecida e faminta, em situação de miséria agravada pela crise da batata e guerras religiosas na Irlanda, acontecimentos que teriam impulsionado a saída de várias pessoas do país em busca de melhores condições de vida. Nesta casa com seis filhos, era conhecida a história de uma terra encantada, chamada Brasil ou Hy-Brasil. A ilha mítica apareceria a cada sete anos e tinha entre suas riquezas naturais uma das maiores esmeraldas já vistas. Aqueles que tentavam encontrar a terra fantasiosa e conseguiam sobreviver à expedição, quer por feitiço ou por obras de encantamentos, teriam seus descendentes reconhecidos por seus olhos de cores diferentes, que traziam memórias de pedras preciosas e da cor de chumbo do Mar do Norte que abraçava a ilha a cada nova submersão.

    A história dessa ilha magnífica e movediça cruzaria o Atlântico com a família irlandesa, em um navio que carregava imigrantes para uma terra de brutal realidade também chamada Brasil. Deixando perdas pelo caminho, a família de Margareth se estabeleceria como colonos de uma fazenda que neste Império de finais do século XIX ainda era dependente do trabalho de escravos como Mariava e sua mãe Dolores, cujos ancestrais também teriam feito a travessia do Atlântico em condições semelhantes às de Margareth e sua família, para se estabelecerem como propriedade de um senhor branco. Os destinos das duas mulheres se cruzariam e lançariam os dados de uma série de eventos determinantes ao futuro da narrativa e de seus personagens.

    Uma sociedade escravocrata  patriarcal

    Todavia, suas histórias não caminhariam para um desfecho feliz como poderíamos pressupor pelos aspectos positivos que a sorte comporta. Margareth e Mariava são mulheres em uma sociedade escravocrata e patriarcal, orientada por preceitos morais que esperam delas uma conduta de acordo com a pureza e virgindade, mesmo quando pertencem aos desejos de um senhor ou de um pai. Margareth era a segunda filha de um homem católico, severo e frustrado por ter-lhe nascido apenas filhas até a chegada de James, seguido de perto por Daniel. Mariava, escrava, não podia dizer não. O entrelaçamento do ser feminino de ambas se realiza no desejo de uma maternidade clandestina e proibida, que faz com que Margareth e Mariava se tornem mulheres caídas aos olhos de sua família e comunidade, e sofram as consequências de tal condição.

    Sorte é um livro bonito, delicado ao tratar de temas difíceis e de condições de vida marginais passíveis de esquecimento, não fosse a existência de marcas subversivas e insistentes, feitas a pedra em túmulo de cemitérios de corpos abandonados. De escrita fluida, bela, com palavras que criam imagens que tocam, com este livro, Nara Vidal presta uma homenagem a todas as mulheres “caídas” por escolha ou circunstância, que tiveram filhos sem serem mães, que não puderam se realizar plenamente, e não puderam dizer não nem na realidade, nem na ilusão, em um terra chamada Brasil.

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