O urso atravessou a montanha é o nome de um conto da canadense Alice Munro, ganhadora do Nobel de Literatura em 2013. Na obra, ela vai proporcionar ao leitor uma investigação sobre o casamento, a memória e o esquecimento. O título, um pouco estranho para nós, é uma cantiga folclórica norte-americana chamada “The bear came over the montain” e o ritmo se assemelha aquela canção “Ele é um bom companheiro… ele é um bom companheiro…” e, após esse verso que dá nome ao conto, entendemos que o urso atravessou a montanha para ver o que tinha do outro lado e, quando lá chegou, descobriu o outro lado da montanha. E dessa forma, o casamento de 50 anos de Grant e Fiona muda por conta do Alzheimer que atinge a mulher.

Narrado em terceira pessoa, o conto proporciona compreensão aos dois personagens. Em alguns momentos, Grant se comportará de um jeito ruim; em outros, irá se mostrar disposto a encarar a doença de sua mulher. Ela, sem controle sobre sua mente, viverá em um espaço/tempo delicado que traz a reflexão sobre o que nos torna humanos, no sentido que são as nossas memórias que nos conduzem a um raciocínio e uma vida em sociedade. O universo em que ela passa a viver dentro da clinica médica difere muito de sua vida fora dela, por outro lado, é carregado de novas sensações a partir de lembranças de uma passado muito distante que vem à tona.

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A psicologia de seus personagens

Alice Munro apresenta as questões psicológicas de seus personagens de um jeito envolvente, mesmo trabalhando em narrativas que, tecnicamente, são curtas. O relacionamento do casal, suas vidas antes e depois de se conhecerem; suas vidas antes e depois do Alzheimer, vão se entrelaçando ao mesmo tempo em que mostram um certo descompasso que fica mais evidente com as atitudes de Grant após a ida de Fiona para a clínica médica. A princípio, por recomendações médicas, ele precisou ficar 30 dias sem vê-la, o que foi suficiente para a retomada de suas lembranças do passado, mas também de sua rotina como professor universitário.

Podemos dizer que o conto é sobre relacionamentos. Não apenas seus inícios, mais seus meios e, principalmente, sobre os tijolos sentimentais a quais se sustentam. Se por um lado, o amor pode superar tantas coisas, a falta de memória também. Se por um lado, a paixão quebra protocolos e padrões de relacionamentos, no outro lado – aquele sem a memória, a mesma coisa acontece. Então, o que fica? de que somos feitos? quais são as coisas em que nos agarramos quando a memória e o tempo escapam?

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Mas e o título?

O título do conto faz total sentido uma vez que, como um tema universal da vida humana, sempre queremos ir além, sempre ir até a montanha, mas quando chegamos lá temos apenas o outro lado da montanha. De qualquer modo, o tempo permanece, mas não é sempre que ele é compreendido e vivido. A memória escapa no tempo.

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