Fractais Tropicais (SESI-SP Editora) é uma coletânea de contos brasileiros de ficção científica lançada em 2018. Organizado pelo escritor Nelson de Oliveira, o livro oferece uma oportunidade de conhecer a história da ficção científica no Brasil, desde os seus primórdios aos tempos atuais.

    O livro ajuda o leitor a compreender as fases que a literatura brasileira de ficção científica já passou. Segundo Nelson de Oliveira, os contos selecionados “tratam das maravilhas e das tragédias que estão nos envolvendo, nos abraçando cada vez mais forte. São fractais que compõem uma odisseia coletiva.” (p. 13)

    As três ondas da ficção científica do Brasil

    Há uma divisão que ajuda a compreender a produção da literatura de ficção científica no Brasil e no livro, antes do leitor mergulhar nos contos, irá conhecer sobre as três ondas que dividem esse cenário, bem como uma tabela sobre os temas abordados pela ficção científica, como o cyberpunk, a viagem no tempo, a ufologia, a “space opera” etc.

    Primeiramente, o leitor irá perceber que o livro começa com os contos mais atuais e termina com os contos mais antigos. E, dessa forma, outras coisas além dos contos será possível perceber sobre a nossa história. Como, por exemplo, a quantidade de escritoras que aumenta à medida que o tempo avança; a quantidade de publicações que também aumenta de acordo com o tempo. Ou seja, a produção de ficção científica no Brasil cresce, mesmo com todas as dificuldades enfrentadas por escritores, escritoras e editoras em nossa curta história.

    Alguns destaques sobre os contos de ficção científica no Brasil:

    – A terceira onda (a partir de 2001)

    Da terceira onda, o destaque fica para o conto de Lady Sybylla e Cristina Lasaitis. As duas escritoras, que trabalham em diferentes vertentes, fazem registros importantes sobre a nossa literatura, pois colocam luz à guerra, à política e às relações virtuais.

    A princípio, o conto de Lady Sybylla, “Cão 1 está desaparecido” traz uma pequena fatia sobre o que há em comum nas histórias reais e ficcionais sobre a guerra: pessoas tentando sobreviver, dando o melhor de si pelo outro, pela vida. Ou seja, em meio a um mundo irreal, o ser humano ainda é o mesmo – que tenta sobreviver apesar de tudo.

    O conto “Além do invisível“, de Cristina Lasaitis, o mais interessante é o resultado final, pois, de alguma maneira, o elemento eternidade se faz presente e intensifica mais ainda os lanços do mundo que conhecemos com as possibilidades advindas da velocidade da luz, os impulsos quânticos e as dobras imateriais do universo.

    – A segunda onda (de 2000 a 1981)

    Viagem no tempo é uma das categorias mais curiosas de todo esse universo da ficção científica, por isso, sobre o tema, destaco o conto de dois autores: Ivanir Calado e Ataíde Tartari.

    No conto do escritor Ivanir Calado chamado “Paradoxo de Narciso“, o leitor poderá desfrutar de uma nova versão dessa conhecida história, porém em um futuro em que é possível viajar no tempo. Quem você seria e quem você se tornaria se encontrasse com o seu próprio eu?

    Em “A máquina do saudosismo“, Ataíde Tartari traz a proposta da imortalidade e sua difícil relação com o presente. Se somos imortais, como vamos lidar com tantas perdas que ocorrerão em nossas vidas? Será a morte tão assustadora assim? E se você tivesse a oportunidade de se congelar e acordar em um outro tempo, seria realmente feliz? O autor apresenta um mundo em que as questões políticas foram levadas ao extremo: “No século 23, empresas de administração de condomínios geriam cidades, e a justiça era servida por tribunais de arbitragem.” (p. 279). Assustador.

    O livro também traz a autora Finisia Fideli, conhecida por ser uma pioneira em questionar a posição da mulher na ficção científica. Com uma pesquisa rápida no Google, pouco dá para saber sobre o autora, mas justamente por isso, evidencia o quanto alguns tipos de literatura ainda sobrevivem, com dignidade, à margem.

    No livro Fractais Tropicais, há dois contos da autora: “Estrela marinha no céu” e “As múltiplas existências de Áries“. No primeiro, Finisia Fideli  traz uma bela descrição futurista de São Paulo. No outro conto, será possível acompanhar as várias vidas de uma pessoa, como se o ato de viver fosse algo tão efêmero e ao mesmo tempo infinito.

    – A primeira onda (1961 a 1980)

    Por fim, o livro Fractais Tropicais apresenta a primeira onda e abre com um conto de André Carneiro, o precursor do gênero da ficção científica no Brasil, chamado “O grande mistério”. Anterior a ele sabemos que outras produções ocorreram, porém, sem muita expressão. Segundo Nelson de Oliveira, durante mais ou menos oitenta anos alguns escritores brasileiros publicaram contos e romances, mas influenciados por H.G. Wells e Jules Verne.

    Desses escritores que abriram os caminhos do gênero no Brasil, destaco Dinah Silveira de Queiroz (1911-1982 – a segunda mulher a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras) e o seu conto “A ficcionista“. Conhecida pela obra “A Muralha”, que virou minissérie na Globo, é importante resgatar a participação dela na história de nossa – ainda jovem – ficção científica.

    Em “A ficcionista”, além de colocar os próprios escritores em evidência, a autora trabalhará com um tema muito atual: as nossas memórias, a possibilidade de recriá-las, os sonhos e o quanto desejamos um mundo perfeito. A autora modelou um futuro tão próximo ao nosso que assusta.

    Assim sendo, com a leitura do livro será possível perceber o quanto coletâneas como essa são importantes para construir e reconstruir nossos saberes sobre o Brasil. Por meio dos livros, todos os caminhos podem ser traçados. Fractais Tropicais abre portas para pensar e admirar o que já foi construído e imaginar o que ainda está por vir.

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