Manuel Bandeira (1886 – 1968) deixou sua marca na poesia brasileira. Iniciou na onda do Parnasianismo, mas consagrou-se no período do Modernismo no Brasil. Por isso, abaixo você encontra as 10 poesias de Manuel Bandeira que mais emocionam, seja por sua originalidade, por sua desconstrução ou por aquele inexplicável sentimento que somente uma boa poesia nos dá.

    Desencanto

    Eu faço versos como quem chora
    De desalento… de desencanto…
    Fecha o meu livro, se por agora
    Não tens motivo nenhum de pranto.

    Meu verso é sangue. Volúpia ardente…
    Tristeza esparsa… remorso vão…
    Dói-me nas veias. Amargo e quente,
    Cai, gota a gota, do coração.

    E nestes versos de angústia rouca
    Assim dos lábios a vida corre,
    Deixando um acre sabor na boca.

    – Eu faço versos como quem morre.

    Pneumotórax

    Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
    A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
    Tosse, tosse, tosse.

    Mandou chamar o médico:
    — Diga trinta e três.
    — Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
    — Respire.

    — O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
    — Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
    — Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

    Poética

    Estou farto do lirismo comedido
    Do lirismo bem comportado
    Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
    protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.
    Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
    cunho vernáculo de um vocábulo.
    Abaixo os puristas

    Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
    Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção
    Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

    Estou farto do lirismo namorador
    Político
    Raquítico
    Sifilítico
    De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora
    de si mesmo
    De resto não é lirismo
    Será contabilidade tabela de co-senos secretário
    do amante exemplar com cem modelos de cartas
    e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

    Quero antes o lirismo dos loucos
    O lirismo dos bêbados
    O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
    O lirismo dos clowns de Shakespeare

    – Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

    Arte de amar

    Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
    A alma é que estraga o amor.
    Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
    Não noutra alma.
    Só em Deus — ou fora do mundo.
    As almas são incomunicáveis.

    Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

    Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

    Manuel Bandeira
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    Testamento

    O que não tenho e desejo
    É que melhor me enriquece.
    Tive uns dinheiros — perdi-os…
    Tive amores — esqueci-os.
    Mas no maior desespero
    Rezei: ganhei essa prece.

    Vi terras da minha terra.
    Por outras terras andei.
    Mas o que ficou marcado
    No meu olhar fatigado,
    Foram terras que inventei.

    Gosto muito de crianças:
    Não tive um filho de meu.
    Um filho!… Não foi de jeito…
    Mas trago dentro do peito
    Meu filho que não nasceu.

    Criou-me, desde eu menino
    Para arquiteto meu pai.
    Foi-se-me um dia a saúde…
    Fiz-me arquiteto? Não pude!
    Sou poeta menor, perdoai!

    Não faço versos de guerra.
    Não faço porque não sei.
    Mas num torpedo-suicida
    Darei de bom grado a vida
    Na luta em que não lutei!

    Vou-me Embora pra Pasárgada

    Vou-me embora pra Pasárgada
    Lá sou amigo do rei
    Lá tenho a mulher que eu quero
    Na cama que escolherei

    Vou-me embora pra Pasárgada
    Vou-me embora pra Pasárgada
    Aqui eu não sou feliz
    Lá a existência é uma aventura
    De tal modo inconsequente
    Que Joana a Louca de Espanha
    Rainha e falsa demente
    Vem a ser contraparente
    Da nora que nunca tive

    E como farei ginástica
    Andarei de bicicleta
    Montarei em burro brabo
    Subirei no pau-de-sebo
    Tomarei banhos de mar!
    E quando estiver cansado
    Deito na beira do rio
    Mando chamar a mãe-d’água
    Pra me contar as histórias
    Que no tempo de eu menino
    Rosa vinha me contar
    Vou-me embora pra Pasárgada

    Em Pasárgada tem tudo
    É outra civilização
    Tem um processo seguro
    De impedir a concepção
    Tem telefone automático
    Tem alcaloide à vontade
    Tem prostitutas bonitas
    Para a gente namorar

    E quando eu estiver mais triste
    Mas triste de não ter jeito
    Quando de noite me der
    Vontade de me matar
    — Lá sou amigo do rei —
    Terei a mulher que eu quero
    Na cama que escolherei
    Vou-me embora pra Pasárgada.

    O bicho

    Vi ontem um bicho
    Na imundície do pátio
    Catando comida entre os detritos.

    Quando achava alguma coisa,
    Não examinava nem cheirava:
    Engolia com voracidade.

    O bicho não era um cão,
    Não era um gato,
    Não era um rato.

    O bicho, meu Deus, era um homem.

    Os sapos

    Enfunando os papos,
    Saem da penumbra,
    Aos pulos, os sapos.
    A luz os deslumbra.

    Em ronco que aterra,
    Berra o sapo-boi:
    — “Meu pai foi à guerra!”
    — “Não foi!” — “Foi!” — “Não foi!”.

    O sapo-tanoeiro,
    Parnasiano aguado,
    Diz: — “Meu cancioneiro
    É bem martelado.

    Vede como primo
    Em comer os hiatos!
    Que arte! E nunca rimo
    Os termos cognatos!

    O meu verso é bom
    Frumento sem joio
    Faço rimas com
    Consoantes de apoio.

    Vai por cinqüenta anos
    Que lhes dei a norma:
    Reduzi sem danos
    A formas a forma.

    Clame a saparia
    Em críticas céticas:
    Não há mais poesia,
    Mas há artes poéticas . . .”

    Urra o sapo-boi:
    — “Meu pai foi rei” — “Foi!”
    — “Não foi!” — “Foi!” — “Não foi!”

    Brada em um assomo
    O sapo-tanoeiro:
    — “A grande arte é como
    Lavor de joalheiro.

    Ou bem de estatuário.
    Tudo quanto é belo,
    Tudo quanto é vário,
    Canta no martelo.”

    Outros, sapos-pipas
    (Um mal em si cabe),
    Falam pelas tripas:
    — “Sei!” — “Não sabe!” — “Sabe!”.

    Longe dessa grita,
    Lá onde mais densa
    A noite infinita
    Verte a sombra imensa;

    Lá, fugindo ao mundo,
    Sem glória, sem fé,
    No perau profundo
    E solitário, é

    Que soluças tu,
    Transido de frio,
    Sapo-cururu
    Da beira do rio

    Manuel Bandeira
    Belo Belo é o sétimo livro de poesia de Manuel Bandeira, publicado pela primeira vez em 1948. Com 32 poemas, em cada um deles “encontramos uma amostra valiosa da obra de um poeta erudito, de senso crítico e estético apurados. + Amazon

    A morte absoluta

    Morrer.
    Morrer de corpo e de alma.
    Completamente.

    Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
    A exangue máscara de cera,
    Cercada de flores,
    Que apodrecerão – felizes! – num dia,
    Banhada de lágrimas
    Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.

    Morrer sem deixar porventura uma alma errante…
    A caminho do céu?
    Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?

    Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
    A lembrança de uma sombra
    Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
    Em nenhuma epiderme.

    Morrer tão completamente
    Que um dia ao lerem o teu nome num papel
    Perguntem: “Quem foi?…”

    Morrer mais completamente ainda,
    Sem deixar sequer esse nome.

    O último poema (Manuel Bandeira)

    Assim eu quereria meu último poema
    Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
    Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
    Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
    A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
    A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

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