Eu poderia começar esse primeiro post com “Oi! Tudo bem? Meu nome é Vanessa e eu gosto de literatura erótica”, mas isso soaria muito vago. A realidade é que, como uma menina que nasceu, cresceu e se viu presa dentro de uma igreja durante grande parte da vida, alguns assuntos sempre me pareceram um grande tabu.

    Hoje, depois de muita análise, a impressão é que, mesmo que eu nunca tenha entendido muito bem os motivos, passei essa tal grande parte da vida repetindo que algumas coisas que me pareciam bem normais e até saudáveis eram erradas, pecado. A não monogamia, a homossexualidade e o sexo são alguns desses temas. E, apesar de ainda carregar muito da tal culpa cristã, entendi que parte do caminho para o autoconhecimento passa pelo estudo e desconstrução (infinitamente, todos os dias, em todo momento) desses tais “tabus”. 

    Então, sim, meu nome é mesmo Vanessa e eu realmente gosto de literatura erótica. Mas, mais do que isso, eu uso de romances, poemas e contos “picantes” como instrumento para entender que tudo bem gostar de sexo, tudo bem sentir atração por homens e mulheres, tudo bem falar abertamente sobre isso e tudo bem também sonhar que um dia as aventuras eróticas dos personagens que só existem na minha cabeça poderão ganhar forma no papel e que eu terei coragem de compartilhar esses textos – ao menos com as amigas. 

    A descoberta de Cassandra Rios

    Olhando em retrospecto, acho que a literatura erótica despertou a minha curiosidade de forma mais incisiva enquanto assistia os vídeos do falecido Clube do livro erótico. O amante, de Marguerite Duras, foi o primeiro da seleção feita por elas a foi parar no meu caderno de leituras, seguido de A casa dos budas ditosos, de João Ubaldo Ribeiro, de O professor do desejo, de Philip Roth, e de A história do olho, de Georges Bataille. Logo depois, comecei a ler os contos da Seane Melo e, através deles, entendi que a putaria que eu gostava de ler poderia se aproximar mais da minha realidade, que eu também poderia me identificar com os dramas e desejos daquelas personagens e que as cenas de sexo não precisavam, necessariamente, ser bregas e vergonhosas. E foi comentando sobre a Seane e seu romance Digo te amo para todos que me fodem bem no grupo de WhatsApp da revista que surgiu a ideia (obrigada, Fran!) de um especial sobre Cassandra Rios e sua literatura erótica.

    Cassandra Rios
    A escritora Cassandra Rios.

    Cassandra Rios nasceu Odete Rios. Filha de imigrantes espanhóis, mulher lésbica, casada com um amigo para que pudesse sair de casa sem grandes dramas e, apesar de pouco comunista, um dos nomes mais perseguidos pelos censores durante a ditadura. As informações ainda são vagas, os números divergem em cada artigo, mas, a princípio, 36 de seus 40 (ou 50) livros publicados foram censurados por se mostrarem contrários àquilo que ditava a “moral e os bons costumes”.

    Considerada “escritora maldita”, foi levada ao DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) por diversas vezes, se viu obrigada a escrever artigos com um pseudônimo masculino para poder sobreviver e acabou a vida reclusa.

    “Sou uma criatura simples, comum, cheia de problemas, triste e amarga. A vida de escritora tem sido muito dura para mim”.

    A sobrevivência pela literatura homoerótica

    Seu primeiro livro foi escrito aos 16 anos e já seria considerado o precursor do romance homoerótico feminino no Brasil. Mesmo com as dificuldades de circulação, Cassandra foi a primeira brasileira a atingir a marca de 1 milhão de livros vendidos – isso em 1970 – desbancando nomes como Jorge Amado e Clarice Lispector, além de ser uma das poucas escritoras a conseguir sobreviver por algum tempo apenas com o dinheiro que ganhava dos direitos autorais.

    Cassandra morreu vítima de um câncer no dia 08 de Março de 2002. Pouco lida ou conhecida, ela circula entre a lista de escritoras e escritores como Maria Firmina dos Reis, Júlia Lopes de Almeida, Lúcia Miguel Pereira e Lúcio Cardoso; criadores e criações apagadas pelos mais diversos motivos, mas que, aos poucos e com passos de formiga, vêm ressurgindo através de pesquisas, artigos e reedições.  

    Então, como apaixonada por literatura erótica e entusiasta da leitura e divulgação de escritores esquecidos, inicio hoje, 31 de julho, dia do orgasmo, essa série de publicações e resenhas sobre Cassandra Rios. Topa me acompanhar nessa jornada?

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