Uma bela seleção com outras poesias de Sylvia Plath que você precisa conhecer urgente! O motivo: em 2014, a Francine Ramos fez uma seleção de cinco poesias da autora norte-americana Sylvia Plath (1932-1963), que você pode conferir aqui. Em 2019, quis escolher outros cinco escritos de uma das escritoras mais importantes da minha vida!

    Lady Lazarus

    Sylvia Plath
    Tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça

    Tentei outra vez.
    Um ano em cada dez
    Eu dou um jeito —
    Um tipo de milagre ambulante, minha pele
    Brilha feito abajur nazista,
    Meu pé direito

    Peso de papel,
    Meu rosto inexpressivo, fino
    Linho judeu.

    Dispa o pano
    Oh, meu inimigo.
    Eu te aterrorizo? —

    O nariz, as covas dos olhos, a dentadura toda?
    O hálito amargo
    Desaparece num dia.

    Em muito breve a carne
    Que a caverna carcomeu vai estar
    Em casa, em mim.

    E eu uma mulher sempre sorrindo.
    Tenho apenas trinta anos.
    E como o gato, nove vidas para morrer.

    Esta é a Número Três.
    Que besteira
    Aniquilar-se a cada década.

    Um milhão de filamentos.
    A multidão, comendo amendoim,
    Se aglomera para ver

    Desenfaixarem minhas mãos e pés —
    O grande striptease.
    Senhoras e senhores,

    Eis minhas mãos
    Meus joelhos.
    Posso ser só pele e osso,

    No entanto sou a mesma, idêntica mulher.
    Tinha dez anos na primeira vez.
    Foi acidente.

    Na segunda quis
    Ir até o fim e nunca mais voltar.
    Oscilei, fechada

    Como uma concha do mar.
    Tiveram que chamar e chamar
    E tirar os vermes de mim como pérolas grudentas.

    Morrer
    É uma arte, como tudo o mais.
    Nisso sou excepcional.

    Desse jeito faço parecer infernal.
    Desse jeito faço parecer real.
    Vão dizer que tenho vocação.

    E muito fácil fazer isso numa cela.
    É muito fácil fazer isso e ficar nela.
    É o teatral

    Regresso em plena luz do sol
    Ao mesmo local, ao mesmo rosto, ao mesmo grito
    Aflito e brutal:

    “Milagre!”
    Que me deixa mal.
    Há um preço

    Para olhar minhas cicatrizes, há um preço
    Para ouvir meu coração —
    Ele bate, afinal.

    E há um preço, um preço muito alto
    Para cada palavra ou cada toque
    Ou mancha de sangue

    Ou um pedaço de meu cabelo ou de minhas roupas.
    E aí, Herr Doktor.
    E aí, Herr Inimigo.

    Sou sua obra-prima,
    Sou seu tesouro,
    O bebê de ouro puro

    Que se funde num grito.
    Me viro e carbonizo.
    Não pense que subestimo sua grande preocupação.

    Cinza, cinza —
    Você fuça e atiça.
    Carne, osso, não há mais nada ali —

    Barra de sabão,
    Anel de casamento,
    Obturação de ouro.

    Herr Deus, Herr Lúcifer
    Cuidado.
    Cuidado.

    Saída das cinzas
    Me levanto com meu cabelo ruivo
    E devoro homens como ar.

    Sylvia Plath em Paris, 1956. Foto de Gordon Lameyer. Cortesia da Lilly Library, Indiana University, Bloomington, Indiana.

    Ariel

    Sylvia Plath 
    Tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça

    Êxtase no escuro,
    E um fluir azul sem substância
    De penhasco e distâncias.

    Leoa de Deus,
    Nos tornamos uma,
    Eixo de calcanhares e joelhos! – O sulco

    Fende e passa, irmã do
    Arco castanho
    Do pescoço que não posso abraçar,

    Olhinegra
    Bagas cospem escuras
    Iscas –

    Goles de sangue negro e doce,
    Sombras.
    Algo mais

    Me arrasta pelos ares –
    Coxas, pêlos;
    Escamas de meus calcanhares.

    Godiva
    Branca, me descasco –
    Mãos secas, secas asperezas.

    E agora
    Espumo com o trigo, reflexo de mares.
    O grito da criança

    Escorre pelo muro
    E eu
    Sou flecha,

    Orvalho que avança,
    Suicida, e de uma vez se lança
    Contra o olho

    Vermelho, fornalha da manhã.

    Leia mais – Abrindo a Redoma de Vidro, de Sylvia Plath: trechos da obra

    outras poesias de sylvia plath

    Eu estou de pé

    Sylvia Plath
    Tradução de Rafael Zacca

    Mas preferia estar deitada.
    Não sou uma árvore de raízes fincadas
    Sugando minerais e amor maternal
    Para que a cada março eu resplandeça em folhas,
    Nem sou a flor mais bela dos canteiros
    Delicados, atraindo meu quinhão de “Ais”
    Antes do iminente despetalar.
    Comparadas a mim, uma árvore é imortal
    E uma flor, conquanto pequena, é mais espantosa –
    Invejo a longevidade de uma e a ousadia da outra.

    Hoje, à luz infinitesimal das estrelas,
    As árvores e as flores espalharam seus odores na noite fresca.
    Caminho entre elas, mas não me notam.
    Às vezes imagino que, dormindo,
    Sou sua semelhante –
    Penso obscura.
    É mais natural se estou deitada;
    Assim, o céu e eu conversamos sem segredos.
    Serei útil quando estiver enfim deitada:
    Aí as árvores serão mãos para mim, e, as flores, demora.

    Limite

    Sylvia Plath
    Tradução de Luiz Carlos de Brito Rezende 

    A mulher está perfeita.
    Seu corpo
    Morto enverga o sorriso de completude,
    A ilusão de necessidade
    Grega voga pelos veios da sua toga,
    Seus pés
    Nus parecem dizer:
    Já caminhamos tanto, acabou.
    Cada criança morta, enrodilhada, cobra branca,
    Uma para cada pequena
    Tigela de leite vazia.
    Ela recolheu-as todas
    Em seu corpo, como pétalas
    Da rosa que se encerra, quando o jardim
    Enrija e aromas sangram
    Da fenda doce, funda, da flor noturna.
    A lua não tem porque estar triste
    Espectadora de touca
    De osso; ela está acostumada.
    Suas crateras trincam, fissura.

    Olmo (para Ruth Fainlight)

    Sylvia Plath
    Tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça

    Sei o que há no fundo, ela diz. Conheço com minha própria raiz.
    Era o que você temia.
    Eu não: já estive lá.

    É o mar que você ouve em mim,
    Suas frustrações?
    Ou a voz do vazio, essa é a sua loucura?

    O amor é uma sombra.
    Como você chora e mente por ele.
    Ouça: estes são seus cascos; fugiram, como cavalos.

    Vou galopar a noite inteira
    Até que sua cabeça vire pedra, seu travesseiro vire turfa,
    Ecoando, ecoando.

    Ou devo te trazer o borbulhar das poções?
    Isso agora é chuva, esse silêncio imenso.
    E este é seu fruto: branco-metálico, como arsênico.

    Sofri a atrocidade dos poentes.
    Queimada até as raízes
    Meus filamentos ardem e ficam, emaranhado de arames.

    Meus estilhaços se espalham em centelhas.
    Um vento violento assim
    Não suporta obstáculos: preciso gritar.

    A lua, também, não tem pena de mim: me engole,
    Cruel e estéril Seus raios me arruínam.
    Ou quem sabe a peguei.

    Eu a deixo fugir, fugir
    Magra e minguante, como depois de uma cirurgia radical.
    Seus pesadelos me enfeitam e me possuem.

    Dentro de mim mora um grito.
    De noite ele sai com suas garras, à caça
    De algo para amar.

    Sou torturada por essa coisa negra
    Que dorme em mim;
    O dia inteiro sinto seu roçar leve e macio, sua maldade.

    Nuvens passam e se dissipam.
    São estas as faces do amor, pálidas, irrecuperáveis?
    Foi pra isso que atormentei meu coração?

    Não consigo compreender além.
    E o que é isso agora, essa cara
    Assassina com seus galhos sufocantes? –

    O beijo traiçoeiro da serpente.
    Petrifica o desejo. Esses são os erros, solitários e lentos,
    Que matam, matam, matam.

    – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – –

    Conheça outras poesias de Sylvia Plath no livro Ariel, à venda na Amazon.

    Share.