Em Orlando, publicado pela primeira vez em 1928, Virginia Woolf nos apresenta uma história que inicia no século XVI e termina no século XX. Ela nos conta sobre um personagem que vive por todo esse tempo em busca de felicidade em sua vida pessoal e também profissional. Orlando, quer encontra um sentido para a vida e também ser poeta.

    O tempo comum, o tempo psicológico e outras camadas

    Virginia Woolf gostava de trabalhar com o tempo, de forma a relacionar o tempo comum, do calendário ou do relógio, com o tempo vivido, a transformação pessoal e a epifania que leva um personagem a pontos extremos. Assim, no livro “Orlando: uma biografia”, temos dois tempos distintos:

    • o cenário da obra, que perpassa mais de 300 anos da história do Reino Unido, do século XVII ao XX.
    • e a vida de Orlando acontecendo dentro desse cenário, porém apenas até os seus 36 anos.
    o tempo em Orlando
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    Mas como pode, então, Orlando ter apenas 30 anos no século 19, se ele nasceu no século 16?

    Podemos abrir espaço para diversas interpretações, mas por se tratar de um ingrediente de realismo mágico (terá sido Virginia Woolf uma pioneira também nisso?), é preciso aceitar o fato de que assim é a vida para Orlando.

    Curioso é o fato de como o tempo afeta a vida de Orlando, pois, apesar de sobreviver às mudanças de século, Orlando parece estar desconectado com o seu tempo, buscando coisas diferentes aos padrões estabelecidos pelo “espírito da época”.

    “A verdadeira duração da vida de uma pessoa, não importa o que possa dizer o Dicionário da biografia nacional, é sempre uma questão controversa. Pois se trata de uma tarefa difícil, essa de cronometrar o tempo; nada a desconcerta mais rapidamente do que o contato com qualquer das artes; e talvez a culpa por Orlando ter perdido a lista de compras e se dirigido para casa sem as sardinhas, os sais de banho ou das botas deva ser atribuído ao seu amor pela poesia. Agora, ali em pé com a mão na porta do carro, o presente golpeou-lhe de novo a cabeça. Onze vezes foi violentamente atacada.
    – “Maldição!”, exclamou, pois é um grande choque para o sistema nervos ouvir um relógio soar as horas.”

    Virginia Woolf, p. 200

    O espírito da época

    Por fim, quando a personagem se sente plena, é o momento de conexão com o “espírito da época”, como se o mundo – a sociedade, o país, o modo de vida, tivesse que caminhar 300 anos para poder se conectar a Orlando.

    Ela sempre foi a mesma pessoa, as mudanças que ocorreram foram por questões de conhecimento, aprendizagem, vivência, assim como é a vida de todas as pessoas. Então, podemos usar a diferença no tempo da vida da personagem em relação ao cenário em que ela se encontra como uma metáfora sobre o quanto é difícil viver à frente do tempo.

    Virginia Woolf, no século XX, desbravou novos campos da linguagem literária, desmontou o conceito do tempo da narrativa em nome de algo muito maior: apresentar a complexidade da vida humana em relação ao próprio mundo interior e também o que se constrói em relação a um mundo exterior, tão antiquado e pequeno para tantas vidas autênticas e corajosas.


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