“Apenas escreva” é uma frase muito difícil para quem ama escrever e sabe que para o texto ficar bom, a palavrinha “apenas” deve conter informação, clareza e boa gramática, o tal conteúdo.

    Se você quer escrever sobre a pimenta baiana, deve saber um pouco de culinária, ou da cultura da Bahia. Se você quer escrever sobre um filme, deve entender um pouco sobre a sétima arte. E por aí se constrói o caminho do texto. E claro, o “saber um pouco” ajuda, mas se você souber muito (assunto, escrita, coesão, coerência, gramática, etc… e aquele dom especial) seu texto poderá sair do lugar comum e tornar-se algo que realmente signifique, para você, profundamente, e para quem o ler.

    Faço essas pequenas reflexões sobre a escrita porque, neste momento, o meu pensamento é como uma página da internet cheia de links pulando à minha frente e não sei muito bem onde clicar, mas a imagem que vejo está legal e por isso comento aleatoriamente. São fragmentos meus que um dia criei enquanto eu lia alguns livros. Nomes surgem agora: Arthur Schopenhauer e Francine Prose, autores que gosto porque falam da arte de escrever e da literatura, meus grandes amores.

    Jack Kerouac, o beatnik que já passou várias vezes aqui no blog, tinha esse conceito de “apenas escreva” como ferramenta importantíssima para o seu trabalho literário. Seus textos, às vezes um pouco embaraçosos e com começos que parecem não fazer sentido, são construídos pelo ritmo do pensamento. Ao ler Jack Kerouac, a gente consegue imaginar a história, ele pensando, ele em sua máquina de escrever velha, com papéis grudados uns aos outros para, assim, não perder tempo com a troca da folha – o estilo beatnik.

    Cenas de Nova York
    O autor Jack Kerouac e seus famosos “pergaminhos”

    Os 3 contos do livro “Cenas de Nova York e outras viagens”

    Em “Cenas de Nova York e outras viagens”, há três contos de Jack Kerouac que, na forma também chamada de escrita espontânea, apresenta um escritor mais maduro do que aquele que escreveu On The Road, pois, agora, com sua voz mais viva no texto, ele explica como chegou até ali.

    Minha mãe se chamava Gabrielle, com ela aprendi tudo sobre a arte de contar histórias com naturalidade, ouvindo suas longas narrativas sobre Montreal e New Hampshire. (p.7)

    De repente, enquanto ele está narrando a Montanha da Desolação (no conto Sozinho no topo da montanha), alguma coisa bonita ilumina, uma luz que pode ser traduzida por algo que ainda não tem nome, (ideia também presente nas obras de Guimarães Rosa e Clarice Lispector, por exemplo) e que o próprio Jack explica com mais detalhes em Despertar: uma vida de Buda. E por ser assim, o inexplicável, o que levo comigo nessas leituras que iluminam é o ingrediente que não pode faltar: coragem – falar sobre coragem e escrever com ela também.

    Jack Kerouac poderia ter escrito no conforto do seu lar, ao lado de sua mãe, em sua cama sempre limpa, com a comida esperando sobre a mesa todos os dias. Mas que literatura ele teria produzido se fosse um vagabundo debaixo da saia da mãe? Ele teria sido quem é? Ele teria “inventado” os beatniks e seria um personagem tão forte de uma geração que não se conformou com o modo de vida americano? Não, ele foi ser um vagabundo do mundo, que não consola, aquece ou cuida de ninguém.

    A estrada como um personagem

    O grande personagem das histórias de Jack Kerouac é a estrada, não aquela de asfalto, com buracos, proibições de ultrapassagem e indicação de velocidade permitida. A estrada de suas histórias é a vida. E ele precisou estar dentro dela para trazer à tona toda aquela energia que vemos em seus textos.

    Por fim, a pedagogia ensina que o termo “escrita espontânea” também serve para explicar a criança que, antes mesmo de dominar o alfabeto, faz registros gráficos numa folha de papel. Jack Kerouac fez isso, registrou suas viagens antes mesmo de dominar a vida e, sem querer, conseguiu um belo código de como viver e escrever com coragem.

    Às vezes eu gritava perguntas às rochas e às árvores e através dos desfiladeiros, ou cantava como um tirolês. – “O que significa o vazio?” A resposta era o silêncio perfeito, e então eu entendia. (p.36)

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