Ler poesia, para mim, sempre foi muito complicado. Talvez por pensar por não levo jeito para absorver e sentir esses textos, e até por um certo preconceito da época da escola, acabei não tendo o hábito de consumir esse gênero. Felizmente, com o tempo, fui tentando diminuir essa barreira autoimposta e cheguei a obras incríveis, como as poesias de Emily Dickinson, Wislawa Szymborska, Manoel de Barros…

    Mas a poesia não é feita apenas por pessoas que já se foram. Existe uma efervescente produção poética, especialmente no Brasil e entre as mulheres. Poderia passar um bom tempo citando nomes, como os de Lubi Prates, Angélica Freitas, Conceição Evaristo e de tantas outras escritoras que estão dando ao mundo suas palavras em forma de poesia. E hoje quero comentar sobre o livro de uma dessas mulheres que se lançou ao desafio do fazer poético: (Ambi)valências, de Marina Bariana Trava.

    Marina Bariani Trava

    Obra de estreia da jovem nascida em São Paulo, mas moradora de Sorocaba/SP, (Ambi)valências foi lançada pela editora Penalux em 2020, com um belo prefácio da profa. Giovana Rontal Fausto Moisés, e é composta por 45 poesias, algumas delas premiadas no LiteraCidade em 2014 (promovido pela Editora LiteraCidade).

    Escrita ambivalente

    Posso começar dizendo que o livro me surpreendeu em diversos momentos. Mostrou-se uma leitura delicada, mas poderosa, representada nas diversas menções às flores, em especial à rosa, tão encantadora, frágil e dona de perigosos espinhos. Me senti conhecendo melhor uma mulher diante de suas antíteses – da gentileza e da melancolia, da resistência e do declínio.

    E nesse processo de ver outra pessoa, foi impossível não me enxergar e me identificar com a perspectiva da autora, como em “Espelho difuso”:

    Espelho difuso

    eu mesma nunca me vi
    nunca pude me (re)conhecer
    senão por fotos, por imagens,
    por espelhos e reflexos…
    meras distorções de mim!

    nunca pude me encarar de frente
    nem nunca vi o brilho
    dos meus próprios olhos
    que tantos dizem que tenho.

    (os olhos, que a tudo veem,
    só não podem ver a si mesmos)

    (Ambi)valências, p. 55.

    A disposição dos textos e reflexões se coloca como um crescendo. Começamos diante de imagens quase que oníricas, de uma infância há muito soterrada pelo tempo e pela dura realidade do amadurecimento. E nesse processo de autoconhecimento, chegamos a poemas mais encorpados, nos quais a complexidade da vida e sua finitude se tornam evidentes.

    Revolução das flores

    Eu acredito é na revolução das flores
    no testemunho do vôo dos pássaros
    e no mistério da vida na terra

    Eu acredito na contradição
    e no convívio da diferença
    e na existência do paradoxo
    eu acredito é na dinâmica do caos
    no renascer constante e eterno
    e na permanência do impermanente
    eu acredito no aprendizado empirico
    e no significado oculto
    dentro de cada coração que pulsa
    eu acredito no que liga um coração a outro
    e na reciprocidade das almas que se encontram

    Eu acredito no delírio cósmico
    e acredito no meu ceticismo
    e nos dias ensolarados de verão
    eu acredito é na ressurreição das flores
    e na metamorfose diária
    diante da matéria humana

    eu acredito
    é na desilusão
    e no desengano
    que libertam

    (Ambi)valências, p. 31-32.

    Por fim, nos vemos diante de um provável exercício de metalinguagem, no qual a escritora reflete sobre a escrita poética, que, como afirma, “não há de ser método […] há de ser alma, há de ser água, há de ser fúria…[…]”.

    A poesia de Marina nos carrega por esse rio contraditório da vida, por esse fluxo de belezas, de dores, de fraquezas e resistências. E (Ambi)valências bebe desse poder da natureza – da água, das árvores, da terra, do vento – e nos lembra da nossa conexão, tantas vezes ignorada e quebrada, com os elementos naturais, como no belo poema “Oração à Mãe-Natureza”, que faz uma releitura potente da Oração do Credo católico.

    E, para mim, a escrita da jovem já surge poderosa ao nos recordar de nossa fragilidade inerente, dessa mortalidade que busca ser superada pelas palavras – e não seria a poesia uma das tentativas de enganar a morte?

    (Ambi)valências pode ser adquirido pela Editora Penalux ou diretamente com a escritora em suas redes sociais.

    E quem é Marina Bariani Trava?

    Marina nasceu em São Paulo/SP em 1993, mas mora em Sorocaba/SP. É formada em Letras e mestra em Estudos Literários pela UNESP de Araraquara. Publicou alguns poemas em duas coletâneas em 2014, e atualmente trabalha como revisora de textos. Segundo a escritora, “Escrevo poemas doces e antitéticos, que revelam pequenas delicadezas e sofrimentos. S’il vous me plait, je suis un petit part de la contradiction humaine. Um prazer!” Facebook: https://www.facebook.com/travabm Instagram: https://www.instagram.com/ambi_valencias/


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