A crônica abaixo é da escritora brasileira Júlia Lopes de Almeida (1862 – 1934) e faz parte do livro “Livro das donas e donzelas“. Nele podemos vivenciar a tradição do Natal brasileiro do século XX, mas que ainda reverbera em nosso século.

    Neste esfacelar de usos e tradições, poucas pessoas encontram ainda encanto em seguir costumes de avós que se foram há muito tempo, e de quem as caveiras, lá no fundo das covas, já não guardam nem resquícios de pele!

    A nossa vida agitada precisa de um esforço para relembrar os divertimentos antigos, e não é senão por condescendência que muita gente faz horas para ir à missa do galo ou que deixa o espetáculo pela ceia caseira, obrigada a certos pratos que o desuso tornou para muitos paladares simplesmente abomináveis.

    Noites quentes, maravilhosas noites de verão, banhadas de luar, impregnadas do aroma da magnólia e do jasmim-manga, convidando por certo muito mais aos passeios pelos arredores da cidade, ouvindo cigarras e violas de serenatas, do que a fecharmo-nos em uma sala, em frente a um prato de canja fumegante, entre os globos de gás a toda a luz e uma toalha branca onde a louçaria brilhe com o seu luzimento de esmalte.

    Estas festas são doces às mamães, porque chamam para o seu redil as ovelhas soltas por diversos pontos da cidade. Nestes dias, como que se ouvem badaladas de sinos de ouro que, a cada repique, dizem assim:

    – Vinde para casa! Vinde para casa! É aqui que vos amam!

    E as ovelhas param, escutam, torcem caminho e voltam para o aprisco de onde tinham partido.

    A amante que espere, pensam os rapazes; que se estorça de raiva vendo-se preferida. É preciso também contentar a mamãe, que sorri acudindo a tudo e a todos com a mesma paciência de há trinta anos, quando os filhos eram pequenos e não sabiam de nada na vida que igualasse à sua companhia!

    “Boa mamãe! dizem-lhe eles agora, perdoai os nossos desvarios de rapazes! Nós cá estamos no teu regaço, olhando para o teu rosto, beijando as nossas irmãs.”

    E a mamãe vai e vem, com os lábios risonhos e os olhos brilhantes. E o sino de ouro da casa, cujas badaladas se ouvem ao longe, mal ela o sabe! é o seu coração angustiado, pisado de sofrimentos, de dúvidas, de saudades, mas que todo se enflora ainda de esperanças, porque é de mãe!

    Festas familiares, sois peregrinamente bondosas e dementes para os velhos!

    Julia Lopes de Almeida. Livro das donas e donzelas, 1906. Domínio Público

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