O poeta Casimiro de Abreu nasceu no Rio de Janeiro em 1839 e viveu por um bom tempo na cidade. Porém, grande parte de sua obra foi escrita em terras portuguesas. Ele faz parte da segunda fase do Romantismo brasileiro, marcada por características bucólicas e nostálgicas. A morte, como um elemento comum aos poetas românticos, também se fez presente na obra de Casimiro de Abreu, que veio a falecer de tuberculose aos 21 anos de idade, em 1860. “As primaveras” é o único livro do autor publicado em vida. Abaixo, você vai encontrar as 10 poesias de Casimiro de Abreu que mais emocionam.

    poesias de Casimiro de Abreu

    Sobre o livro “As Primaveras”, de Casimiro de Abreu.

    Casimiro de Abreu é o poeta do lirismo e da simplicidade. Os anseios da juventude, as saudades da infância e os compromissos com sua terra natal fazem da obra de Casimiro de Abreu, precoce e espontânea, uma das expressões mais legítimas da poesia do Romantismo brasileiro. Nostálgico, lírico e dono de uma poesia extremamente musical, o poeta carioca continua encantando e cativando leitores jovens e adultos, de ontem e de hoje. As Primaveras (1859) é o único livro do poeta publicado em vida. No prefácio desta obra, escreve: “Assim, as minhas Primaveras não passam de um ramalhete das flores próprias da estação ― flores que o vento esfolhará amanhã, e que apenas valem como promessa dos frutos do outono”. COMPRE NA AMAZON

    1. O que é – Simpatia

    A uma menina.

    Simpatia — é o sentimento
    Que nasce num só momento,
    Sincero, no coração;
    São dois olhares acesos
    Bem juntos, unidos, presos
    Numa mágica atração.

    Simpatia — são dois galhos
    Banhados de bons orvalhos
    Nas mangueiras do jardim;
    Bem longe às vezes nascidos,
    Mas que se juntam crescidos
    E que se abraçam por fim.

    São duas almas bem gêmeas
    Que riem no mesmo riso,
    Que choram nos mesmos ais;
    São vozes de dois amantes,
    Duas liras semelhantes,
    Ou dois poemas iguais.

    Simpatia — meu anjinho,
    É o canto do passarinho,
    É a doce aroma da flor;
    São nuvens dum céu d’agosto,
    É o que m’inspira teu rosto…
    — Simpatia — é — quase amor!

    2. Perfumes e amor

    Na Primeira Folha Dum Álbum.

    A flor mimosa que abrilhanta o prado
    Ao sol nascente vai pedir fulgor;
    E o sol, abrindo da açucena as folhas,
    Dá-lhe perfumes — e não nega amor.

    Eu que não tenho, como o sol, seus raios,
    Embora sinta nesta fronte ardor,
    Sempre quisera ao encetar teu álbum
    Dar-lhe perfumes — desejar-lhe amor.

    Meu Deus! nas folhas deste livro puro
    Não manche o pranto da inocência o alvor,
    Mas cada canto que cair dos lábios
    Traga perfumes — e murmure amor.

    Aqui se junte, qual num ramo santo,
    Do nardo o aroma e da camélia a cor,
    E possa a virgem, percorrendo as folhas,
    Sorver perfumes — respirar amor.

    Encontre a bela, caprichosa sempre,
    Nos ternos hinos d’infantil frescor
    Entrelaçados na grinalda amiga
    Doces perfumes — e celeste amor.

    Talvez que diga, recordando tarde
    O doce anelo do feliz cantor:
    — “Meu Deus! nas folhas do meu livro d’alma
    Sobram perfumes — e não falta amor!”

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    3. Na rede

    Nas horas ardentes do pino do dia
    Aos bosques corri;
    E qual linda imagem dos castos amores,
    Dormindo e sonhando cercada de flores
    Nos bosques a vi!

    Dormia deitada na rede de penas
    — O céu por dossel,
    De leve embalada no quieto balanço
    Qual nauta cismando num lago bem manso
    Num leve batel!

    Dormia e sonhava — no rosto serena
    Qual um serafim;
    Os cílios pendidos nos olhos tão belos,
    E a brisa brincando nos soltos cabelos
    De fino cetim!

    Dormia e sonhava — formosa embebida
    No doce sonhar,
    E doce e sereno num mágico anseio
    Debaixo das roupas batia-lhe o seio
    No seu palpitar!

    Dormia e sonhava — a boca entreaberta,
    O lábio a sorrir;
    No peito cruzados os braços dormentes,
    Compridos e lisos quais brancas serpentes
    No colo a dormir!

    Dormia e sonhava — no sonho de amores
    Chamava por mim,
    E a voz suspirosa nos lábios morria
    Tão terna e tão meiga qual vaga harmonia
    De algum bandolim!

    Dormia e sonhava — de manso cheguei-me
    Sem leve rumor;
    Pendi-me tremendo e qual fraco vagido,
    Qual sopro da brisa, baixinho ao ouvido
    Falei-lhe de amor!

    Ao hálito ardente o peito palpita…
    Mas sem despertar;
    E como nas ânsias dum sonho que é lindo,
    A virgem na rede corando e sorrindo…
    Beijou-me — a sonhar!

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    4. Mocidade

    Ninon, Ninon, que fais tu de la vie?
    L’heure s’enfuit, le jour succede au jour.
    Rose ce soir, demain flétrie,
    Comment vis-tu, toi qui n’as pas d’amour?!
    MUSSET.

    Doce filha da lânguida tristeza,
    Ergue a fronte pendida — o sol fulgura!
    Quando a terra sorri-se e o mar suspira
    Por que te banha o rosto essa amargura?!

    Por que chorar quando a natura é risos,
    Quando no prado a primavera é flores?
    — Não foge a rosa quando o sol a busca,
    Antes se abrasa nos gentis fulgores.

    Não! — Viver é amar, é ter um dia
    Um amigo, uma mão que nos afague;
    Uma voz que nos diga os seus queixumes,
    Que as nossas mágoas com amor apague.

    A vida é um deserto aborrecido
    Sem sombra doce, ou viração calmante;
    — Amor — é a fonte que nasceu nas pedras
    E mata a sede à caravana errante.

    Amai-vos! — disse Deus criando o mundo,
    Amemos! — disse Adão no paraíso,
    Amor! — murmura o mar nos seus queixumes,
    Amor! — repete a terra num sorriso!

    Doce filha da lânguida tristeza,
    Tua alma a suspirar de amor definha…
    — Abre os olhos gentis à luz da vida,
    Vem ouvir no silêncio a voz da minha!

    Amemos! Este mundo é tão tristonho!
    A vida, como um sonho — brilha e passa;
    Por que não havemos pra acalmar as dores
    Chegar aos lábios o licor da taça?

    O mundo! o mundo! — E que te importa o mundo?
    — Velho invejoso, a resmungar baixinho!
    Nada perturba a paz serena e doce
    Que as rolas gozam no seu casto ninho.

    Amemos! — tudo vive e tudo canta…
    Cantemos! seja a vida — hinos e flores;
    De azul se veste o céu… vistamos ambos
    O manto perfumado dos amores.

    ……………………………………

    Doce filha da lânguida tristeza,
    Ergue a fronte pendida — o sol fulgura!
    — Como a flor indolente da campina
    Abre ao sol da paixão tua alma pura!

    Está gostando das poesias de Casimiro de Abreu? Conheça mais: “O que é Romantismo? Um sinônimo para burguesia?”

    5. Meus Oito Anos

    Oh! que saudades que tenho
    Da aurora da minha vida,
    Da minha infância querida
    Que os anos não trazem mais!
    Que amor, que sonhos, que flores,
    Naquelas tardes fagueiras
    À sombra das bananeiras,
    Debaixo dos laranjais!

    Como são belos os dias
    Do despontar da existência!
    — Respira a alma inocência
    Como perfumes a flor;
    O mar é — lago sereno,
    O céu — um manto azulado,
    O mundo — um sonho dourado,
    A vida — um hino damor!

    Que aurora, que sol, que vida,
    Que noites de melodia
    Naquela doce alegria,
    Naquele ingênuo folgar!
    O céu bordado destrelas,
    A terra de aromas cheia
    As ondas beijando a areia
    E a lua beijando o mar!

    Oh! dias da minha infância!
    Oh! meu céu de primavera!
    Que doce a vida não era
    Nessa risonha manhã!
    Em vez das mágoas de agora,
    Eu tinha nessas delícias
    De minha mãe as carícias
    E beijos de minhã irmã!

    Livre filho das montanhas,
    Eu ia bem satisfeito,
    Da camisa aberta o peito,
    — Pés descalços, braços nus —
    Correndo pelas campinas
    A roda das cachoeiras,
    Atrás das asas ligeiras
    Das borboletas azuis!

    Naqueles tempos ditosos
    Ia colher as pitangas,
    Trepava a tirar as mangas,
    Brincava à beira do mar;
    Rezava às Ave-Marias,
    Achava o céu sempre lindo.
    Adormecia sorrindo
    E despertava a cantar!

    …………………………..

    Oh! que saudades que tenho
    Da aurora da minha vida,
    Da minha infância querida
    Que os anos não trazem mais!
    — Que amor, que sonhos, que flores,
    Naquelas tardes fagueiras
    A sombra das bananeiras
    Debaixo dos laranjais!

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    6. Minhalma é Triste

    Minhalma é triste como a rola aflita
    Que o bosque acorda desde o alvor da aurora,
    E em doce arrulo que o soluço imita
    O morto esposo gemedora chora.

    E, como a rôla que perdeu o esposo,
    Minhalma chora as ilusões perdidas,
    E no seu livro de fanado gozo
    Relê as folhas que já foram lidas.

    E como notas de chorosa endeixa
    Seu pobre canto com a dor desmaia,
    E seus gemidos são iguais à queixa
    Que a vaga solta quando beija a praia.

    Como a criança que banhada em prantos
    Procura o brinco que levou-lhe o rio,
    Minhaalma quer ressuscitar nos cantos
    Um só dos lírios que murchou o estio.

    Dizem que há, gozos nas mundanas galas,
    Mas eu não sei em que o prazer consiste.
    — Ou só no campo, ou no rumor das salas,
    Não sei porque — mas a minhalma é triste!

    II

    Minhalma é triste como a voz do sino
    Carpindo o morto sobre a laje fria;
    E doce e grave qual no templo um hino,
    Ou como a prece ao desmaiar do dia.

    Se passa um bote com as velas soltas,
    Minhahna o segue namplidão dos mares;
    E longas horas acompanha as voltas
    Das andorinhas recortando os ares.

    Às vezes, louca, num cismar perdida,
    Minhalma triste vai vagando à toa,
    Bem como a folha que do sul batida
    Bóia nas águas de gentil lagoa!

    E como a rola que em sentida queixa
    O bosque acorda desde o albor da aurora,
    Minhaahna em notas de chorosa endeixa
    Lamenta os sonhos que já tive outrora.

    Dizem que há gozos no correr dos anos!…
    Só eu não sei em que o prazer consiste.
    — Pobre ludíbrio de cruéis enganos,
    Perdi os risos — a minhalma é triste!

    III

    Minhalma é triste como a flor que morre
    Pendida à beira do riacho ingrato;
    Nem beijos dá-lhe a viração que corre,
    Nem doce canto o sabiá do mato!

    E como a flor que solitária pende
    Sem ter carícias no voar da brisa,
    Minhalma murcha, mas ninguém entende
    Que a pobrezinha só de amor precisa!

    Amei outrora com amor bem santo
    Os negros olhos de gentil donzela,
    Mas dessa fronte de sublime encanto
    Outro tirou a virginal capela.

    Oh! quantas vezes a prendi nos braços!
    Que o diga e fale o laranjal florido!
    Se mão de ferro espedaçou dois laços
    Ambos choramos mas num só gemido!

    Dizem que há gozos no viver damores,
    Só eu não sei em que o prazer consiste!
    — Eu vejo o mundo na estação das flores
    Tudo sorri — mas a minhalma é triste!

    IV

    Minhalma é triste como o grito agudo
    Das arapongas no sertão deserto;
    E como o nauta sobre o mar sanhudo,
    Longe da praia que julgou tão perto!

    A mocidade no sonhar florida
    Em mim foi beijo de lasciva virgem:
    — Pulava o sangue e me fervia a vida,
    Ardendo a fronte em bacanal vertigem.

    De tanto fogo tinha a mente cheia!…
    No afã da glória me atirei com ânsia…
    E, perto ou longe, quis beijar a sreia
    Que em doce canto me atraiu na infância.

    Ai! loucos sonhos de mancebo ardente!
    Espranças altas… Ei-las já tão rasas!…
    — Pombo selvagem, quis voar contente…
    Feriu-me a bala no bater das asas!

    Dizem que há gozos no correr da vida…
    Só eu não sei em que o prazer consiste!
    — No amor, na glória, na mundana lida,
    Foram-se as flores — a minhalma é triste!

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    7. Minha Terra

    Minha terra tem palmeiras
    Onde canta o sabiá.
    G. DIAS.

    Todos cantam sua terra,
    Também vou cantar a minha,
    Nas débeis cordas da lira
    Hei de fazê-la rainha;
    — Hei de dar-lhe a realeza
    Nesse trono de beleza
    Em que a mão da natureza
    Esmerou-se em quanto tinha.

    Correi pr’as bandas do sul:
    Debaixo dum céu de anil
    Encontrareis o gigante
    Santa Cruz, hoje Brasil;
    — É uma terra de amores
    Alcatifada de flores,
    Onde a brisa fala amores
    Nas belas tardes de abril.

    (…)

    É um país majestoso
    Essa terra de Tupá,
    Desd’o Amazonas ao Prata,
    Do Rio Grande ao Pará!
    — Tem serranias gigantes
    E tem bosques verdejantes
    Que repetem incessantes
    Os cantos do sabiá.

    (…)

    Quando Dirceu e Marília
    Em terníssimos enleios
    Se beijavam com ternura
    Em celestes devaneios;
    Da selva o vate inspirado,
    O sabiá namorado,
    Na laranjeira pousado
    Soltava ternos gorjeios.

    Foi ali, foi no Ipiranga,
    Que com toda a majestade
    Rompeu de lábios augustos
    O brado da liberdade;
    Aquela voz soberana
    Voou na plaga indiana
    Desde o palácio à choupana,
    Desde a floresta à cidade!

    Um povo ergueu-se cantando
    — Mancebos e anciãos —
    E, filhos da mesma terra,
    Alegres deram-se as mãos;
    Foi belo ver esse povo
    Em suas glórias tão novo,
    Bradando cheio de fogo:
    — Portugal! somos irmãos!

    Quando nasci, esse brado
    Já não soava na serra
    Nem os ecos da montanha
    Ao longe diziam — guerra!
    Mas não sei o que sentia
    Quando, a sós, eu repetia
    Cheio de nobre ousadia
    O nome da minha terra!

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    8. Os Meus Sonhos

    I

    Como era belo esse tempo
    De tão doces ilusões,
    De tardes belas, amenas,
    De noites sempre serenas,
    De estrelas vivas e puras;
    Quadra de riso e de flores
    Em que eu sonhava venturas,
    Em que eu cuidava de amores.

    (…)

    II

    Sonhei que o mundo era um prado
    Lindo, lindo, matizado
    Das flores do meu jardim;
    Sonhei a vida uma estrada
    De gozos entrelaçada,
    De gozos que não têm fim.

    Esses sonhos de magia
    Criei-os na fantasia
    À meiga luz do luar,
    E quando conta segredos
    Na rama dos arvoredos
    Na brisa que beija o mar.

    (…)

    III

    Mentira, tudo mentira!
    Os meus sonhos… ilusões!
    As cordas da minha lira
    Já não soletram canções,
    A mente já não delira,
    E se louco num momento
    Revolvo no pensamento
    Esse passado de amores…
    Se triste o peito suspira…
    Eu ouço um eco da terra
    Bradar-me com voz que aterra:
    — Mentira, tudo mentira!

    Foram sonhos. Eram lindos,
    Eram lindos… mas passaram!
    E desses sonhos já findos
    Só lembranças me ficaram.
    Só lembranças bem saudosas
    Dessas noites tão formosas
    Em que os sonhos despontaram,
    Só lembranças desses sonhos,
    Desses sonhos que passaram!…
    Hoje vivo, se é que é vida

    Andar co’a fronte pendida
    Calado e triste a cismar;
    E nessa imensa tristeza,
    Nessas horas d’incerteza
    Em que adormece o luar,
    Em que toda a natureza
    E’ silêncio, amor e paz,
    Eu sinto a alma saudosa
    Perguntar com voz queixosa:
    — Lindos sonhos, onde estais?!
    Então um eco medonho
    Responde por cada sonho
    C’um gemido… e nada mais!

    (…)

    9. Dores

    Há dores fundas, agonias lentas,
    Dramas pungentes que ninguém consola,
    Ou suspeita sequer!
    Mágoas maiores do que a dor dum dia,
    Do que a morte bebida em taça morna
    De lábios de mulher!

    Doces falas de amor que o vento espalha,
    Juras sentidas de constância eterna
    Quebradas ao nascer;
    Perfídia e olvido de passados beijos…
    São dores essas que o tempo cicatriza
    Dos anos no volver.

    Se a donzela infiel nos rasga as folhas
    Do livro d’alma, magoado e triste
    Suspira o coração;
    Mas depois outros olhos nos cativam,
    E loucos vamos em delírios novos
    Arder noutra paixão.

    Amor é o rio claro das delícias
    Que atravessa o deserto, a veiga, o prado,
    E o mundo todo o tem!
    Que importa ao viajor que a sede abrasa,
    Que quer banhar-se nessas águas claras,
    Ser aqui ou além?

    A veia corre, a fonte não se estanca,
    E as verdes margens não se crestam nunca
    Na calma dos verões;
    Ou quer na primavera, ou quer no inverno,
    No doce anseio do bulir das ondas
    Palpitam corações.

    Não! a dor sem cura, a dor que mata,
    É, moço ainda, e perceber na mente
    A dúvida a sorrir!
    É a perda dura dum futuro inteiro
    E o desfolhar sentido das gentis coroas,
    Dos sonhos do porvir!

    É ver que nos arrancam uma a uma
    Das asas do talento as penas de ouro,
    Que voam para Deus!
    É ver que nos apagam d’alma as crenças
    E que profanam o que santo temos
    Co’o riso dos ateus!

    É assistir ao desabar tremendo,
    Num mesmo dia, d’ilusões douradas,
    Tão cândidas de fé!
    É ver sem dó a vocação torcida
    Por quem devera dar-lhe alento e vida
    E respeitá-la até!

    É viver, flor nascida nas montanhas,
    Para aclimar-se, apertada numa estufa
    À falta de ar e luz!
    É viver, tendo n’alma o desalento,
    Sem um queixume, a disfarçar as dores
    Carregando a cruz!

    Oh! ninguém sabe como a dor é funda,
    Quanto pranto s’engole e quanta angústia
    A alma nos desfaz!
    Horas há em que a voz quase blasfema…
    E o suicídio nos acena ao longe
    Nas longas saturnais!

    Definha-se a existência a pouco e pouco,
    E ao lábio descorado o riso franco
    Qual dantes, já não vem;
    Um véu nos cobre de mortal tristeza,
    E a alma em luto, despida dos encantos,
    Amor nem sonhos tem!

    Murcha-se o viço do verdor dos anos,
    Dorme-se moço e despertamos velho,
    Sem fogo para amar!
    E a fronte jovem que o pesar sombreia
    Vai, reclinada sobre um colo impuro,
    Dormir no lupanar!

    Ergue-se a taça do festim da orgia,
    Gasta-se a vida em noites de luxúria
    No leito dos bordéis,
    E o veneno se sorve a longos tragos
    Nos seios brancos e nos lábios frios
    Das lânguidas Frinés!

    Esquecimento! — mortalha para as dores —
    Aqui na terra é a embriaguez do gozo,
    A febre do prazer:
    A dor se afoga no fervor dos vinhos,
    E no regaço das Marcôs modernas
    E’ doce então morrer!

    Depois o mundo diz: — Que libertino!
    A folgar no delírio dos alcouces
    As asas empanou! —
    Como se ele, algoz das esperanças,
    As crenças infantis e a vida d’alma
    Não fosse quem matou!…

    ………………………………….

    Oh! há dores tão fundas como o abismo,
    Dramas pungentes que ninguém consola
    Ou suspeita sequer!
    Dores na sombra, sem carícias d’anjo,
    Sem voz de amigo, sem palavras doces,
    Sem beijos de mulher!…

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    10. Desejo

    Se eu soubesse que no mundo
    Existia um coração,
    Que só por mim palpitasse
    De amor em terna expansão;
    Do peito calara as mágoas,
    Bem feliz eu era então!

    Se essa mulher fosse linda
    Como os anjos lindos são,
    Se tivesse quinze anos,
    Se fosse rosa em botão,
    Se inda brincasse inocente
    Descuidosa no gazão;

    Se tivesse a tez morena,
    Os olhos com expressão,
    Negros, negros, que matassem,
    Que morressem de paixão,
    Impondo sempre tiranos
    Um jugo de sedução;

    Se as tranças fossem escuras,
    Lá castanhas é que não,
    E que caíssem formosas
    Ao sopro da viração,
    Sobre uns ombros torneados,
    Em amável confusão;

    Se a fronte pura e serena
    Brilhasse dinspiração,
    Se o tronco fosse flexível
    Como a rama do chorão,
    Se tivesse os lábios rubros,
    Pé pequeno e linda mão;

    Se a voz fosse harmoniosa
    Como dharpa a vibração,
    Suave como a da rola
    Que geme na solidão,
    Apaixonada e sentida
    Como do bardo a canção;

    E se o peito lhe ondulasse
    Em suave ondulação,
    Ocultando em brancas vestes
    Na mais branda comoção
    Tesouros de seios virgens,
    Dois pomos de tentação;

    E se essa mulher formosa
    Que me aparece em visão,
    Possuísse uma alma ardente,
    Fosse de amor um vulcão;
    Por ela tudo daria…
    — A vida, o céu, a razão!

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