O poeta francês Charles Baudelaire deixou sua marca na literatura mundial por conta de seu estilo que marcou o Simbolismo, uma escola literária complexa, ligada a um movimento de contracultura, sem desprezar o que há de bom quanto as questões estéticas e a beleza do mundo abstrato, metafórico e irracional. Abaixo, você encontra uma seleção com as 13 melhores poesias de Charles Baudelaire. Encante-se!

    poesias de Charles Baudelaire
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    A alma do vinho

    A alma do vinho assim cantava nas garrafas:
    “Homem, ó deserdado amigo, eu te compus,
    Nesta prisão de vidro e lacre em que me abafas,
    Um cântico em que há só fraternidade e luz!
    Bem sei quanto custou, na colina incendida,
    De causticante sol, de suor e de labor,
    Para fazer minha alma e engendrar minha vida;
    Mas eu não hei de ser ingrato e corruptor,
    Porque eu sinto um prazer imenso quando baixo
    À goela do homem que já trabalhou demais,
    E seu peito abrasante é doce tumba que acho
    Mais propícia ao prazer que as adegas glaciais.
    Não ouves retirar a domingueira toada
    E esperanças chalrar em meu seio, febris?
    Cotovelos na mesa a manga arregaçada;
    Tu me hás de bendizer e tu serás feliz:
    Hei de acender-te o olhar da esposa embevecida;
    A teu filho farei voltar a força e a cor
    E serei para tão tenro atleta da vida
    Como o óleo e os tendões enrija ao lutador.
    Sobre ti tombarei, vegetal ambrosia,
    Grão precioso que lança o eterno Semeador,
    Para que enfim do nosso amor nasça a poesia
    Que até Deus subirá como uma rara flor!”

    Correspondências (Charles Baudelaire)

    A Natureza é um templo onde vivos pilares
    Deixam sair às vezes palavras confusas:
    Por florestas de símbolos, lá o homem cruza
    Observado por olhos ali familiares.
    Tal longos ecos longe lá se confundem
    Dentro de tenebrosa e profunda unidade
    Imensa como a noite e como a claridade,
    Os perfumes, as cores e os sons se transfundem.
    Perfumes de frescor tal a carne de infantes,
    Doces como o oboé, verdes igual ao prado,
    – Mais outros, corrompidos, ricos, triunfantes,
    Possuindo a expansão de algo inacabado,
    Tal como o âmbar, almíscar, benjoim e incenso,
    Que cantam o enlevar dos sentidos e o senso.

    A morte dos amantes

    Teremos leitos só rosas ligeiras
    Divãs de profundeza tumular,
    E estranhas flores sobre prateleiras,
    Sob os céus belos a desabrochar.

    A arder de suas luzes derradeiras,
    Nossos dois corações vão fulgurar,
    Tochas a refletir duas fogueiras
    Em nossas duas almas, este par

    Gêmeos espelhos. Por tarde mediúnica,
    Nós trocaremos uma flama única
    Um adeus que é um soluço tão cruel;

    Pouco depois, um anjo abrindo as portas,
    Virá vivificar, o mais fiel,
    Os espelhos sem luz e as chamas mortas.

    A giganta

    Pois quando a Natureza, em seu capricho exato,
    Gerava estranhos seres raros, dia a dia,
    Uma giganta moça – eis do eu gostaria,
    Para viver-lhe aos pés com a volúpia de um gato.
    Ver seu corpo florir com a flor de sua alma
    E crescer livremente em seus terríveis jogos;
    Ver se não teria no peito alguma oculta chama,
    Com as chispas molhadas que mostra nos olhos.
    Percorrer à vontade a realeza das formas,
    Escalar a vertente dos joelhos enormes
    E, quando os sóis do estio, à complacência alheios,
    Estendem-na, cansada, ao longo da campina,
    Dormir descontraído à sombra dos seus seios,
    Como abrigo tranquilo ao pé de uma colina.

    O rebelde

    Um anjo em fúria qual uma águia cai do céu;
    Segura, a garra adunca, os cabelos do ateu
    E, sacudindo-os, diz: “À regra serás fiel!”
    (Sou teu Anjo guardião, não sabias?) És meu!

    Pois é preciso amar, sorrindo à pior desgraça,
    O perverso, o aleijado, o mendigo, o boçal,
    Para que estendas a Jesus, quando ele passa,
    Com tua caridade um tapete triunfal.

    Eis o amor! Antes que a alma tenhas em ruínas,
    Teu êxtase reaviva à glória e à luz divinas;
    Esta é a Volúpia dos encantos Celestiais!

    E o Anjo, que a um tempo nos exalta e nos lamenta,
    Com punhos de gigante e anátema atormenta;
    Mas o ímpio sempre diz: “Não serei teu jamais!”

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    A destruição

    Sem cessar a meu lado se agita o Demônio;
    Nada à minha volta como um ar impalpável;
    Eu o engulo e sinto que me queima o pulmão
    E o preenche de um desejo eterno e culpável.

    Toma às vezes, conhecendo meu amor da Arte,
    A forma da mais sedutora das mulheres,
    E, sob especiosos pretextos de rufião,
    Acostuma meus lábios a filtros infames.

    Ele me leva assim, longe do olhar de Deus,
    Ofegante e morto de cansaço, até o meio
    Dos campos do Tédio, profundos e desertos,

    E lança em meus olhos cheios de confusão
    Vestimentas imundas, feridas abertas,
    E a aparelhagem sangrenta da Destruição!

    Remorso póstumo

    Quando fores dormir, ó bela tenebrosa
    Num negro mausoléu de mármores, e não
    Tiveres por alcova e morada senão
    Uma fossa profunda e uma tumba chuvosa;
    Quando a pedra, oprimindo essa carne medrosa
    E esses flancos sensuais de morna lassidão,
    Impedir de querer e arfar seu coração
    E teus pés de seguir a trilha aventurosa,
    O túmulo que tem seu confidente em mim
    – Porque o túmulo sempre há de entender o poeta –,
    Na insônia sepulcral destas noites sem fim,
    Dir-te á: “De que te serviu cortesã incompleta,
    Não ter tido o que em vão choram os mortos sós?”
    – E o verme te roerá como um remorso atroz.

    Spleen (Charles Baudelaire)

    Quando, pesado e baixo, o céu como tampa
    Sobre a alma soluçante, assolada aos açoites,
    E que deste horizonte, a cercar toda a campa
    Despeja-nos um dia mais triste que as noites;
    Quando se transformou a Terra em masmorra úmida,
    Por onde essa esperança, assim como um morcego,
    Vai tangendo paredes ante uma asa túmida
    Batendo a testa em tetos podres, sem apego;
    Quando a chuva estirou os seus longos filames
    Como as grades de ferro em uma ampla cadeia,
    E um povoado mudo de aranhas infames
    Até os nossos cérebros estende as teias,
    Súbito, os sinos saltam com ferocidade
    E atiram para o céu um gemido fremente,
    Tal aquelas errantes almas sem cidade
    Que ficam lamentando-se obstinadamente.
    – E féretros sem fim, sem tambor ou pavana,
    Lentos desfilam dentro mim; e a Esperança,
    Vencida, chora, a Angústia, feroz e tirana,
    A negra flâmula em meu curvo crânio lança.

    As queixas de um Ícaro

    Os amantes das prostitutas
    São felizes, dispostos, fartos;
    Quanto a mim, fraturei os braços
    Por haver abraçado nuvens.

    É graças a astros sem igual,
    Que nos confins do céu flamejam,
    Que meus olhos depauperados
    Só veem recordações de sóis.

    Inutilmente eu quis do espaço
    Localizar o fim e o meio;
    Sob não sei que olho de fogo
    Sinto minha asa que se parte;

    E a queimar por amor ao belo,
    Não terei a honra sublime
    De dar o meu nome ao abismo
    Que me servirá de jazigo.

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    Os olhos de Berta

    Podeis bem desprezar os olhos mais famosos,
    Olhos de meu amor, dos quais foge e se eleva
    Não sei o quê de bom, de doce como a treva!
    Vertei vosso fascínio obscuro, olhos graciosos!

    Olhos de meu amor, arcanos adorados,
    Fazei-me recordar essas mágicas furnas
    Em que, por trás de imóveis sombras taciturnas,
    Cintilam vagamente escrínios ignorados!

    Tem meu amor olhos tão negros quanto vastos,
    Como os teus, Noite imensa,e , como os teus, preclaros!
    Sonhos de Amor e Fé são seus lampejos raros,
    Que fulguram ao fundo, orgiásticos ou castos

    A uma passante (Charles Baudelaire)

    A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
    Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
    Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
    Erguendo e balançando a barra alva da saia;
    Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.
    Eu bebia, como um basbaque extravagante,
    No tempestuoso céu do seu olhar distante,
    A doçura que encanta e o prazer que assassina.
    Brilho… e a noite depois! – Fugitiva beldade
    De um olhar que me fez nascer segunda vez,
    Não mais te hei de rever senão na eternidade?
    Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!
    Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,
    Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste!

    Soneto

    Haveis, querida irmã, cuja alma é de poetisa,
    Visto uma aldeia de vermelho e toda em gozo,
    Quando em júbilo o céu à terra se harmoniza,
    Num domingo banhado por um sol radioso?

    Quando ergue o campanário a sua voz possante,
    E a cidade mantém desde cedo acordada,
    Quando moços e velhos, em traje elegante,
    Se apressam para a missa que será rezada,

    E em vosso espirito mundano ganha altura
    O som de um órgão e de um sino na lonjura,
    Não exalastes um suspiro involuntário?

    Tal devoção do campo, estrídula e sincera,
    Não terá ela – triste e doce relicário –
    Lembrando que o domingo tanto amor vos dera?

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    Os mochos (Charles Baudelaire)

    Nos teixos negros que os abrigam
    Os mochos se perfilam em linha,
    Tal como deuses estrangeiros
    Faiscando olhos rubros. Meditam.

    Sem se mexer se manterão
    Até a hora melancólica,
    Em que, empurrando o sol oblíquo,
    As trevas hão de se implantar.

    Sua atitude ensina ao sábio
    Que neste mundo há que temer
    A agitação e o movimento;

    Atrás de uma sombra que passa
    O homem é sempre castigado
    Por querer mudar de lugar.

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