O jovem, um relato autobiográfico da escritora Annie Ernaux, mora num campo lindo de honestidade que mesmo sendo um livro tão pequeno é o suficiente para se encantar com a força de sua narrativa.

    Tive uma pequena decepção com o livro, pois pensei ser uma obra mais extensa. O livro é super pequeno, de apenas 56 páginas. No Brasil, foi lançado em 2022 pelo editora Fósforo. É um relato breve, um pequeno conto autobiográfico sobre uma mulher, a própria autora, que se relaciona com uma pessoa muito mais jovem que ela. Foi meu primeiro contato com a obra de Ernaux e fiquei muito impressionada com o que li.

    Sobre a autora Annie Ernaux

    Annie Ernaux ficou conhecida no Brasil recentemente, por conta de ter sido a vencedora do prêmio Nobel de Literatura de 2022. Sua obra é caracterizada por uma vivência muito pessoal e íntima, transportada para textos literários que podemos chamar de autoficção, autobiografia. No entanto, também é comum entre os intelectuais literários considerarem sua obra de difícil definição por conta do poder de Annie Ernaux em juntar esse estilo pessoal e também discutir a vida em sociedade de forma aprofundada e bela.

    “O jovem” é uma forte representação de uma escritora de estilo próprio

    A princípio, há em suas construções uma natureza muito genuína e honesta. É difícil para qualquer escritor encontrar essa voz honesta dentro de si para produzir uma escrita realmente preciosa em relação ao que se quer dizer. Hemingway dizia que era necessário escrever de uma forma verdadeira, buscar a verdade a todo custo. E claro que neste sentido nos perguntamos como é encontrar essa verdade pura… Ao ler Annie Ernaux parece que essa verdade genuína transborda nas páginas, o que deixa qualquer leitor admirado.

    A história, contada de maneira simples e íntima, é sobre quando ela conheceu um rapaz de 24 anos, tendo ela já seus 54 anos. Ele, admirador de seu trabalho, quis conhecer a escritora pessoalmente e, assim, eles iniciaram um relacionamento, um namoro.

    Muitas vezes fiz amor para me mobrigar a escrever. Queria encontrar, na sensação de cansaço e desamparo de depois, motivos para não esperar mais nada da vida. Nutria a esperança de que, ao fim da espera mais violenta de todas, a de um orgasmo, eu pudesse ter certeza de que não havia orgasmo mais intenso que a escrita de um livro.”

    Annie Ernaoux, p. 7. O Jovem.

    O feminino e o masculino: olhares diferentes

    É impossível não observar o quanto o olhar feminino e o masculino são diferentes diante de uma relação (ou da possibilidade de uma) com alguém com uma idade tão diferente.

    Annie, com seu olhar perante toda a juventude do rapaz exalando em todos os seus movimentos, e vida, e forma de moradia, e trabalho etc etc… constrói um olhar íntimo sobre si mesma, ao mesmo tempo que expõe as diferenças de classe e as relações de poder.

    Já, o que vemos, de um modo geral, ao ler relatos de homens que se relacionam com pessoas muito mais novas, há essa evidenciação do sexo, do corpo perfeito, dessa busca doentia de um corpo quase infantil e puro. E o homem sendo o detentor de todo um ensinamento que precisa ser compartilhado com essa pessoa muito mais jovem. É um pouco nojento, no mínimo.

    No entanto, na obra de Annie Ernaux, compreende-se os motivos dela estar ali como algo mais amplo, profundo e honesto. Como de uma pessoa vivenciando, degustando, reaprendendo a vida: para reviver memórias, para retomar a sua própria juventude, para se autorizar a viver como, por exemplo, todo o contexto do aluno universitário sem dinheiro algum. Estar naquele relacionamento é como se ela reconstruísse um passado em que não foi possível vivenciar tudo isso por vergonha, por fragilidade, por não aceitar fazer parte de uma vida tão puída. E agora, em que a vida está toda “no lugar”, no sentido dela ser uma pessoa bem sucedida pessoal, profissional e intelectualmente, há uma certa autorização para si mesma sobre viver essa história com alguém tão distante não só pelos números da idade, mas também pelo que já se construiu na vida. Entretanto, fica um sentido de solidão e afastamento. É cortante.

    Ao lado dele, minha memória parecia infinita. Essa espessura de tempo que nos separava era de uma grande delicadeza e dava mais intensidade ao presente. Não me ocorria o pensamento de que essa minha longa memória do tempo antes do nascimento dele fosse o par, a imagem inversa, da memória que ele teria depois da minha morte, com eventos e personagens políticos que eu nunca terei conhecido.”

    Annie Ernaoux, p. 31. O Jovem.

    Passados se convergem…

    O livro “O Jovem” possui uma narrativa admirável. Anne constrói um cotidiano que prende e amarra o final de sua história de uma forma brilhante, apesar de triste. Ser uma mulher com uma bagagem de vida entremeada por alegrias tristezas, perdas e ganhos – e sua autoconsciência sobre isso tudo, adiciona uma nova camada à história, que acaba se conectando com seu romance juvenil de forma inesperada e que faz total sentido. Ela amarra muito bem o passado mais recente com acontecimentos que ficaram num passado mais distante, da mesma maneira que tece uma conexão entre o jovem à sua frente com a sua versão também jovem lá do passado. Essa construção de memórias que Annie Ernaux faz é algo poderoso. Sinto que em suas frases ela encontrou uma verdade absoluta.

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