Por quanto tempo nós mesmo ficamos presos ao “apenas sair de casa para cumprir a agenda de obrigações”? Ah, Mrs. Dalloway, que tolos somos!

    Pois tendo morado em Westminster – por quanto tempo agora? por mais de vinte anos – , a gente sente, Clarissa não tinha dúvida, até no meio do trânsito, ou acordando no meio da noite, uma calma ou uma solenidade diferente; uma parada indescritível; uma suspensão (mas podia ser o seu coração, afetado, diziam, pela influenza) antes de o Big Ben soar. Aí! Alto ele rimbou. primeiro um aviso, musical; depois a hora; irrevogável. Os círculos de chumbo dissolviam-se no ar.

    p. 6

    Clarissa Dalloway caminha pelas ruas de Londres e fica admirada por Westminster, um lugar que ela conhece bem e mesmo assim não deixa de se encantar, “a calma ou uma solenidade”. E quando penso na própria Virginia Woolf também tenho a sensação de calma ou uma solenidade, um porto seguro quando as águas da vida ficam turbulentas. Ela é a minha Westminster.

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    Mrs. Dalloway: um romance de várias leituras…

    O romance Mrs Dalloway foi publicado pela primeira vez em 1925, na Inglaterra e nos EUA, simultaneamente. A princípio a história seria um conto “A Sra. Dalloway em Bond Street”, porém em 1922 Virginia Woolf registra em seu diário que Mrs Dalloway será um romance, “um estudo da insanidade e do suicídio; o mundo visto pelo são e pelo insano, lado a lado” (p. 210).

    Quando li Mrs Dalloway pela primeira vez, essas nuances não ficaram claras, talvez pela minha inexperiência em livros assim (o fluxo de consciência), mas foi uma leitura válida por eu ter percebido o ritmo do romance, por eu ter deixado as palavras, as frases, cada parágrafo, fluírem como um rio tranquilo, sem me importar com suas curvas, as nuances obscuras e algumas pedras (o não entender) no meio do caminho.

    Mrs. Dalloway basta?

    Agora, 2013, acredito que faz 8 anos que li pela primeira vez esse livro. Estou vivendo a terceira experiência de leitura e a considero mais completa, incrivelmente na hora certa, como se o Big Ben tivesse soado para mim. Quando Clarissa Dalloway cruza a Victoria Street, ela está enamorada por Londres e eu, como leitora, por Virginia Woolf. Há tantos temas numa única página… a guerra, a solidão, a vida, a cidade, a política, a amizade, a festa… tudo isso fazendo parte do pensamento da Sra. Dalloway, a narração de Virginia Woolf, o tal fluxo de consciência.

    Que tolos somos, pensou, cruzando a Victoria Street. Pois só os céus sabem por que a amamos assim, o quanto a vemos assim, inventando-a, erigindo-a à nossa volta, demolindo-a, criando-a do nada a cada instante; mas as mais esfarrapadas das esfarrapadas, as mais decaídas das infelizes que se sentam nos degraus das casas (a bebida, a sua ruína) sentem a mesma coisa; não é algo que possa ser administrado, estava certa disso, por leis do parlamento, por esta precisa razão: elas amam a vida. No olhar das pessoas, na marcha, no passo, na pressa; na gritaria e no alarido; nas carruagens; nos carros; nos ônibus, nos furgões; no sacolejo e no passo arrastado dos homens-sanduíches; nas fanfarras; nos realejos; no triunfo e no frêmito e no insólito e intenso zumbido de algum aeroplano no alto estava o que ela amava; a vida; Londres; este momento de junho.

    p. 6

    O amor de Clarissa por Londres é interrompido pelo amigo Hugh, que a encontra na rua e comenta de sua necessidade de ir à Londres sempre pelo mesmo motivo: “consultar médicos”:

    Tinham acabado de chegar à cidade para consultar os médicos – infelizmente. Outras pessoas vinham à cidade para ver exposições; ir à ópera; levar as filhas a passeio; os Whitbread vinham para “consultar os médicos”.

    p. 8

    Quantas pessoas como Hugh fazem parte de nosso dia-a-dia? Essas que saem de casa para consultar os médicos e não se divertem? Por quanto tempo nós mesmo ficamos presos ao “apenas sair de casa para cumprir a agenda de obrigações”? Ah, Mrs. Dalloway, que tolos somos!

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