William Burroughs é frequentemente caracterizado por pesquisadores e jornalistas envolvidos com o movimento beat, como sendo “o mais beat dos beats”. Eduardo Bueno, tradutor de “On The Road” para o português, relata que “se borrou” quando teve a oportunidade de entrevistar Burroughs por se tratar de um ser tão fechado, sisudo, e que além do histórico tóxico de dar inveja a qualquer astro do rock, adorava andar portando armas. Confira o vídeo aqui.

    Em O Gato Por Dentro (L&PM), livrinho curto da vasta bibliografia beat que encontra-se hoje facilmente em versão “pocket”, o “Padrinho do Punk” escreve sobre como o convívio com gatos o colocou em contato com seu próprio eu. Por meio de narrativas que mesclam a história de seus gatos e a história dos gatos ao longo dos tempos, Burroughs desmonta um pouco sua imagem de durão ao tentar em partes interpretar a linguagem comportamental seus felinos, e mostrar como foi conquistado por alguns deles, que quando ele mal pode se dar conta, já faziam parte de seu lar e de sua vida.

    Para aqueles entre vocês que nunca viveram no campo (estou falando de campo de verdade, não dos Hamptons), uma palavrinha sobre gatos de celeiro. A maioria das fazendas têm gatos de celeiro para combater os ratos e camundongos. Esses gatos são minimamente alimentados com leite desnatado e restos de comida. Do contrário, não caçam. Claro que frequentemente um gato de celeiro vira gato de casa. E é isso que todo gato de celeiro, todo gato de rua, quer. Acho profundamente comovente essa tentativa desesperada de conquistar um protetor humano.

    Gatos e cachorros

    O autor também compara os gatos com os cachorros, e de certa maneira ridiculariza os cães por serem tão moldáveis a ponto de seus donos terem a capacidade de “alterar sua personalidade”, podendo torná-lo um animal brincalhão ou até mesmo um caçador, assassino. Já os gatos segundo ele, são o que são, gostem os seus donos ou não, e mesmo que matem a outro animal, o fazem por instintos próprios, nunca por terem sido mandados.

    “O Gato Por Dentro” é mais uma representação da simplicidade característica dos escritores beats por meio da escrita espontânea e da representação simplória dos fatos, registrar o momento atual de uma forma que passa ao leitor a riqueza que pode se encontrar na análise de coisas simples e corriqueiras, e o quanto podemos aprender com essas coisas.

    A personalidade dos gatos

    Embora eu não seja o melhor amigo dos gatos por motivos alérgicos, o livro me trouxe uma nostalgia gostosa dos poucos gatos que passaram por minha vida. Dos gatos de meus avôs, a gata dos meus pais. São animais de personalidade forte mesmo, ou te amam, ou te odeiam, bagunceiros ou dorminhocos. É bom lembrar dos gatos. Faz pensar que até mesmo a lembrança do cheiro de uma caixinha de areia fedorenta associada ao ambiente onde ela se encontrava pode ser algo prazeroso. Talvez seja disso que o livro se trate, um pouco sobre gatos, um pouco sobre viver.

    O livro dos gatos é uma alegoria, na qual a vida passada do escritor se apresenta a ele como uma charada felina. Não que os gatos sejam marionetes. Longe disso. Eles são criaturas vivas que respiram, e quando se tem contato com qualquer outro ser, isso é triste: porque você vê as limitações, a dor e o medo e a morte final. É isso que significa contato. Isso é o que vejo quando toco um gato e percebo as lágrimas escorrerem por meu rosto.

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    Leia 5 motivos para conhecer William Burroughs

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    10 Comentários

    1. francineramos on

      Da geração beat conheço o Jack Kerouac e o Allen Ginsberg. Agora lá vou eu correr atrás do William Burroughs que, pela sua resenha, deve ser um grande escritor, um grande agitador das artes.

    2. O Burroughs acho que atraiu mais por suas transgressões do que por qualquer outra coisa. Ele era mais velho que Kerouc e Gisberg e esses dois se inspiravam muito nele, achavam ele o máximo. O orgulho que ele tinha de suas obras era de expor de maneira considerada inédita o contato com as drogas, como um viciado se sentia e a descrição detalhada desta relação. Ele foi um cara tão maluco, que viciou a mulher, mantinha uma plantação imensa de maconha em um sitio e tragicamente matou a esposa com um tiro na testa brincando de tiro ao alvo (Guilherme Tell total), ao tentar acertar um copinho sobre sua cabeça estourou seus miolos.

    3. francineramos on

      Ah, então não gosto mais dele! Acho que tem um limite da pessoa transgredir sem prejudicar o próximo. Isso dele viciar a mulher e depois brincar de tiro ao alvo mostra o quanto a maluquice dele era um problema gravíssimo, doido varrido. Não foi uma loucura bonita, poética.

    4. Eu tenho muita vontade de ler esse livro exatamente por falar de gatos (que são uma das minhas paixões), aliás estou comentando aqui e nesse momento a minha filhote (tenho duas gatas) está no meu colo ronronando ^^

    5. Ah Fran, não seja assim. Se for assim você vai abdicar dos beats. Eles como pessoas decepcionaram, eram transgressores. Digo que ele viciou a mulher pois foi através dele que ela teve contato com as drogas, e o tiro foi acidente hehehe. Dá uma chance pro velhote. Mas agitador das artes mesmo foi mais pro Ginsberg. Acho que devemos ver a arte pela arte, se for ver a pessoa nós quase não gostaremos do artista. Tu acha que não me decepcionei quando soube que a Woolf se suicidou daquela maneira? Os beats não são bonitinhos como os hippies da decada seguinte, mas tiraram a poesia da exclusividade dos intelectuais ricos e trouxeram para o popular por exemplo. O que foi um grande feito.

    6. francineramos on

      ok, vou dar um chance…rsrs Mas Virginia Woolf fez um mal pra ela mesma, foi uma atitude de dignidade também por conta da doença que ela iria enfrentar mais uma vez, ela não estourou os miolos de ninguém e não se suicidou por revolta, rebeldia e tal… (defensora forever de Virginia hahaah)

    7. Ele também, nem revolta, nem rebeldia. Estava feliz com sua esposa, ambos apenas um pouco fora do ar, brincando de tiro ao alvo hahaha. Mas dê outra chance sim, os beats merecem! Aliás, já já o site vai mudar o nome pra beat e café hahaha, vem mais resenha beat em breve. Mas é bom, é uma geração esquecia e pouco citada no Brasil.

    8. Gabriela Godinho on

      Estava em dúvida de comprar esse livro, e quando fui pesquisar te achei, haha. Muito bom, Ronie, agora to ansiosa pra ler.

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