Este é o segundo livro do Coetzee que li, o primeiro foi Desonra, um grande tapa na cara, que também entrou no meu pódio dos 3 melhores livros. Tanto Desonra quanto a Infância de Jesus, com exceção da trama, seguem a mesma receita. O que quero dizer com trama é a história em si — que para Coetzee, ao menos nestes dois livros, eu não senti tanta importância –, como por exemplo: em Desonra conta-se a história de um professor que é expulso da faculdade em que lecionava e passa a morar no interior rural, privado, em grande parte, de qualquer contato social. Como a história em si é a exceção da similaridade de ambos, é de proveito uma analogia do conteúdo abordado.

    Ambos protagonistas possuem muita metafísica intricada na personalidade, o que faz com que o que realmente seja a âncora, o diferencial, o que esmera os livros de Coetzee seja os discursos e embates que esses personagens fazem ao interrogar a maneira como o sistema manipulou o modo como devemos nos portar e principalmente a própria maneira que estabelecemos em nós mesmos de como viver; em suma, esses protagonistas, sem exagero algum, não deixam pedra sobre pedra ao não desejar que por mais ínfimo que seja o aspecto perturbador continue a envenenar a sociedade: mesmo que eles sejam ridicularizados e estejam sozinhos nessa jornada, o que usualmente acontece.

    Em certo momento do livro A Infância de Jesus, Simon, o protagonista, diz a um companheiro de trabalho que esperava que alguém descesse do céu e lhe desse um livro e lhe dissesse: Aqui estão todas as respostas às suas perguntas; Ou que o mesmo ser celestial lhe abrisse uma fenda no nada e dissesse: aqui está a verdadeira vida, está é uma encenação. A sensação de insegurança perante a vida é presente do início ao fim, desde os primeiros acontecimentos até o último; embora em algumas partes seja mais evidente, como a anteriormente narrada.

    Um pé na ficção científica

    A ideia motriz da história beira a ficção científica: pessoas de todo mundo estão imigrando para uma nova vida. Nesse novo continente a língua espanhola é o idioma que todos devem aprender/continuar usando.

    Durante a travessia a memória da vida passada é apagada, até certos aspectos característicos como o anseio pelo sexo é desconstruído, dando lugar a uma passividade sensorial, que só o vê como um ato simplório destinado à reprodução. Simon já é quase um senhor: uma espécie de alfândega que recebe os barcos migratórios lhe concede a idade de 45 anos, mas seus colegas o chamam de “viejo”. Durante a travessia, Simon passa a cuidar de um garoto que perdeu sua mãe: na alfândega, o garoto ganha o nome de David (assim como Simon ganhou o seu) e a idade de cinco anos.

    A descrição sobre esse novo tipo de vida, do que as pessoas estavam fugindo, não é muito explorado, sendo descrito em poucas páginas. Consegui entender esse mundo como um pano de fundo alegórico à insegurança metafísica que todos sentimos, variando seu grau de intensidade de indivíduo pra indivíduo.

    A Infância de Jesus converge sua narração para o modo como Simon e David encaram o mundo. Ambos sentem-se isolados nessa nova vida. Sempre se perguntam o que fazem nesse novo lugar e porque as pessoas lá são tão frias e parecem pouco se importar com questões, como eles julgam, filosóficas e grandiosas: uma nova sociedade tão estranha que a filosofia ensinada em cursos para adultos se restringe apenas a estudar cadeiras e mesas.

    Um estado de desassossego

    Eu fiquei num completo estado de desassossego conforme os personagens iam se isolando socialmente, empurrados para longe por meio de suas mentalidades diferentes. Eles não eram reprimidos por fazerem perguntas, qualquer interlocutor a quem elas eram dirigidas apenas formulava uma resposta simples e insatisfatória e seguia seu caminho como se nada tivesse acontecido.

    Não há uma história totalmente delineada e relevante, apenas um variado leque de ocasiões em que acontecem embates entre os conformistas do novo mundo e a rica personalidade dos protagonistas. O final é um meio que Simon achou de se livrar dessa sociedade, que não é de todo satisfatório. Um simples paliativo que ele terá de usar sempre até que consiga achar seu lugar certo no mundo, ou que a sociedade o acolha como ele é.

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