Quando estamos nos primeiros anos da escola, aprendemos a fazer o cabeçalho – escrever o nome da cidade, o dia, o mês e o ano e, em geral, complementamos com uma explicação breve de como está o dia. Hoje o dia está ensolarado. Hoje o dia está nublado. Mas então a gente cresce, e mal datamos nossos cadernos da universidade, uma pena.
Os professores não deveriam parar com isso, as frases poderiam ficar maiores na medida em que o aluno avançasse o seu aprendizado, até que a pequena frase se tornasse um grande e belo parágrafo, assim como fez Ian McEwan em um trecho de seu romance Reparação, com uma descrição sobre o dia de tirar o fôlego!
Acredito que Ian McEwan não é professor, porém, os artistas da arte da escrita podem nos ensinar muito! Então, aprender a como fazer uma bela descrição com Ian McEwan pode, no mínimo, fazer com que a gente olhe para as nossas paisagens cotidianas de uma forma mais poética.
Ou seja, é como uma forma de praticar a escrita, uma forma de olhar a paisagem com curiosidade, admiração e sugar todas as palavras e sensações que podem vir deste simples momentos do dia. Então, que tal começar o dia tentando fazer uma descrição tão fabulosa assim?
À noitinha, as nuvens de grande altitude para os lados do poente formaram uma camada de um amarelo ralo que foi se intensificando mais e mais, e depois engrossou até que um brilho laranja filtrado se estendeu acima das cristas imensas das árvores do parque; as folhas assumiram um tom pardacento de noz, os galhos entre elas ficaram negros, luzidios, e a grama ressecada copiou as cores do céu. Um fauvista que se especializasse em cores improváveis talvez imaginasse uma paisagem assim, especialmente depois que o céu e chão ganharam um brilho avermelhado e os troncos inchados dos velhos carvalhos ficaram tão negros que começaram a parecer azuis. Embora o sol enfraquecesse à medida que se punha, a temperatura dava impressão de aumentar, pois a brisa que durante todo o dia trouxera um pouco de alívio agora havia cessado, deixando o ar denso e parado.
Reparação, Ian McEwan, p. 98. Tradução de Paulo Henrique Britto. Cia das Letras