Sanga Menor é um livro que nada peca no excesso, com personagens bem desenvolvidos. Não é um romance cheio de ação, na verdade, a ação se passa na mente dos personagens.

Estou em uma fase em que minha chatice literária é inabalável. Sempre torci o nariz para muitos livros e de um tempo pra cá piorei bastante. Desenvolvi critérios para escolher os livros que pretendo ler, só decido ler se o autor é bem conceituado, se o livro já ganhou algum prêmio, se a editora tem um compromisso sério com publicações, se a tradução é fiel e se leio críticas bem feitas. Vários “se”. Chatice, eu sei.

Eis que me deparo com Sanga Menor (Dublinense, 254 páginas) e sua etiqueta de finalista no Prêmio São Paulo de Literatura 2010, na categoria autor estreante. Reviro a internet atrás de informações sobre Cíntia Lacroix, não encontro nada. Reviro a internet um pouco mais e descubro uma resenha impressionante no Jornal Rascunho e decido ler. Sábia decisão.

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O que é Sanga Menor?

Sanga Menor é uma cidade minúscula, recheada de pessoas mexeriqueiras que se deleitam comentando e inspecionando a vida alheia. A cidadezinha fica localizada na encosta de um morro e tem em suas margens uma sanga (Pequeno ribeiro alagado e de pouca água; pântano) que amedronta os moradores da região. Várias lendas urbanas sobre as águas da sanga circulam a cidade e perturbam o sono dos moradores, dentre eles, Lírio Caramunhóz.

Lírio é um homem de trinta e um anos sustentado pela mãe e pela tia, um personagem estúpido. Várias vezes durante a leitura tive vontade de entrar na narrativa e dar uns tapas na cara do Liroca vagabundo e na de sua mãe, por mimá-lo em demasia. Lírio tem um diploma de geografia de uma faculdade à distância, mas não trabalha e nem pretende. A única coisa que faz da vida é ficar enrolado nas cobertas em frente ao televisor enquanto a mãe e a tia confeccionam e vendem vestimentas para eletrodomésticos e panos de prato.

O pai de Lírio é descrito como um entrevado. Sofreu um derrame há anos e agora leva uma vida vegetativa na qual única coisa que se movimenta é um fio de baba que o homem leva junto ao canto da boca. Lírio cresce observando a imagem vegetativa do pai no canto escuro da sala e inconscientemente, segue seu exemplo, tornando-se um entrevado.

A vida de Lírio dá uma reviravolta com a chegada de seu primo Gilberto, um homem bem sucedido e simpático, que vive na capital. Outros personagens dão corpo à narrativa de Cíntia, entre eles, a Tia Margô, Rosaura Caramunhóz (mãe de Lírio), Caetana dos Fantoches (mãe de Gilberto), Valderez e a própria sanga.

Uma personagem encantadora

Caetana dos Fantoches se tornou minha personagem predileta. Ela é tia de Lírio e mãe de Gilberto, irmã de Rosaura. É descrita como dona de uma personalidade forte e de uma cabeleira selvagem. No início do livro já sabemos que Caetana morreu, mas ela retorna através das lembranças dos outros personagens. Caetana não se conformava com as pessoas, era a única mente sã de Sanga Menor, não suportava as superstições que a população fazia sobre a sanga e suas águas imundas. Entrava nua na água e era alvo dos fofoqueiros e defensores da moral.

Caetana, assim como sua irmã Rosaura, também vivia do artesanato. Enquanto Rosaura pintava flores, Caetana confeccionava bonecos de papel machê e encenava seus próprios roteiros na praça da cidade.

“Somos todos marionetes, todos nós, sem exceção. Há aqueles em que essa condição é evidente, há outros em quem é oculta, mas somos todos bonecos. E um dia, quando o titereiro estiver cansado dos nossos movimentos, colocará em cena uma outra marionete: a morte. Com sua foice, ela cortará os fios que nos prendem à vida. Nossa vida, Valderez, não é senão a vontade de um animador, que nos é comunicada pelos fios.”

(Diálogo de Caetana com sua amiga Valderez, pág. 155)

Sanga Menor é um livro que nada peca no excesso, com personagens bem desenvolvidos. Não é um romance cheio de ação, na verdade, a ação se passa na mente dos personagens. E como a maior parte da trama se passa nos pensamentos e lembranças dos personagens, o mesmo acontece com o tempo, que não é linear. A trama tem vários diálogos e narrativa em terceira pessoa. O que me conforta, é assim que deve ser. A linguagem é requintada, Cíntia me mostrou que domina a Língua Portuguesa e que veio para ficar.

“Nas horas miúdas da manhã, Lírio costumava mover-se com vagar. Ou, como objetaria a velha Margô, com vagar ainda mais vagaroso.”

p. 05

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