Quando Frida encontra Diego e vai falar-lhe, minha respiração é presa ao limite da asfixia. Eu preciso ouvir, de novo e de novo.

Ela diz assim, eu já sei:

— Preciso que veja meus quadros, que veja se sou boa o suficiente para pintar.

E ele, sabendo-se visceral, responde:

— Isso não interessa. Se és uma verdadeira artista vais pintar até morrer.

A resposta a ela não basta. Isso nem sequer é resposta à sua inquietação, como não é à minha. Compreendem? Também é minha a pergunta de Frida. Mas volto a ela, que diz a Diego, então:

— Preciso ganhar a vida. Não posso perder tempo com bobagens. Se não sou boa com isso, preciso encontrar outra coisa para fazer.

E então eu respiro. Respiro sobre Frida porque sei que ela será boa o suficiente, será mais do que isso. Sei que ela e suas corças feridas povoarão meus sonhos doces por muitos, muitos anos depois de flechadas. Apesar disso, no fundo dos meus pulmões, algum ar fica. E é por mim.

É por mim porque eu tenho a mesma pergunta. (Você não?)

Eu não pinto, logicamente. “Escrevo” (assim, entre aspas mesmo). De qualquer forma, toda arte parece carregada disso, de insegurança. O “isso” que eu escrevo é bom para alguma coisa? Emociona alguém? Ao menos presta? E se prestar, presta o suficiente? Não sei.

Não sei e ninguém me responde bem a isso. Uns balançam a cabeça, outros pedem os óculos para ler de novo, outros ainda me sugerem um caminho diverso. “Sim, é um belo conto, mas ficaria melhor em versos.” Não! Se o conto transbordou em poesia, então não nos entendemos, meu senhor.

Não há em mim um caminho certo, um Diego pançudo e bondoso que abra as portas e me deixe passar. Tampouco há alguém cruel o suficiente para me despedaçar os papéis e me rir nas fuças. Assim, a dúvida persiste, cada vez mais escura e densa, como o líquido negro que resseca aos poucos no meu tinteiro.

E sem saber, e sem o retorno que – imagino – deveria vir em um momento ou outro, a tinta ameaça secar inteira. Porque é preciso, como diz minha Frida querida, fazer outra coisa caso a nossa arte não preste (ou nós não nos prestemos a ela suficiente). É preciso ganhar a vida, comer e fazer comer. É preciso mais, especialmente em tempos capitalistas (e desculpe-me por isso, Diego!).

Presta? Ninguém responde. Então se presta se faz o quê? Porque quando não presta, eu sei, intimamente eu sei, entra-se para o rol de frustrações, o amplo bloco daqueles que não foram. Não foram músicos, não foram pintores, não foram instrumentistas. A eles se reconhece pela frustração com o que fazem, pela desesperança dos olhos, pelo ressentimento com que acusam alguém – a mulher, o filho que nasceu em hora errada, os pais às vezes, qualquer um.

Presta ou não presta, quero logo saber. E a vida me olha muda, com ares de não pergunte para mim.

Eu sei. Eu sei que nem todas as Fridas são Kahlos. Que há as que pintam colunas destroçadas e há as que pintam maçãs em panos de prato. Há quem transforme a dor em arte e há quem converta a arte em dor.  Tudo isso eu sei. O que não sei é a que lugar pertencemos minha escrita e eu. Não sei a resposta, nem a quem perguntar. Enquanto Frida, sacana, me pisca e repete: “Para que pés se tenho asas para voar?”


Imagem: Deviant Art

Share.
Leave A Reply