Javert é um personagem fácil de ser odiado, porque ele possui um dos piores tipos de ignorância, que é aquela seletiva, mas sem ser proposital.

    “Por melhor que lavremos a pedra misteriosa de que é feita a nossa vida, nada podemos fazer para que desapareça o veio irrevogável do destino” (p. 300)

    Livro VI, Javert.

    Javert é um personagem muito curioso, do tipo que deixa o leitor intrigado, pois ele, como um homem da lei, faz de tudo para cumpri-la, porém, a sua rigidez, falta de flexibilidade e compreensão das mazelas do ser humano, o tornam cego e trouxa. Javert se comove com a dor dos ricos; não sente nada pela dor dos pobres, por outro lado, ele é capaz de se auto prejudicar, caso acredite que cometeu um erro grave. Assim, Javert representa muito bem figuras comuns, infelizmente, à nossa sociedade nos dias de hoje. Essa cegueira ao analisar e praticar a lei – que também é feita pelo homem, que erra, que falha – transforma a vida de pessoas pobres em um verdadeiro inferno. Como exemplo, o que já mostrou o livro sobre Jean Valjean e Fantine.

    Madeleine, nosso maravilhoso e bom personagem diz à Javert:

    “- Javert, o senhor é um homem honrado e eu o estimo. Mas está exagerando a sua falta. Essa é uma ofensa que só a mim diz respeito. Javert, o senhor é digno de subir, não de descer. Espero que continue em seu cargo.” (p. 309)

    Então, Javert é um personagem fácil de ser odiado, porque ele possui um dos piores tipos de ignorância, que é aquela seletiva, mas sem ser proposital. Javert é assim e pronto, ele não faz o que faz por algo maior, pois ele apenas reproduz a lei, como um robô.

    Irrite-se com Javert, mas lembre-se de toda a bondade do Bispo Bienvenu e, principalmente, lembre-se o quanto Madeleine foi bom, tanto com Fantine, quanto com o próprio Javert que, desconfiado e certeiro, descobre a sua verdadeira identidade, mas, policiais superiores a ele, dizem que ele está louco em suspeitar de Madeleine e ele, como um robô, acredita em seus superiores. Assim, temos um ciclo difícil de ser quebrado, mas parece que, dentro dos limites da bondade de cada um, sempre sobra a raiva para um lado…

    Eu gosto do Bispo, eu gosto de Madeleine, eu gosto de Fantine, eu não gosto do namorado que a abandonou. Tenho raiva do casal que está com Cosette, sinto raiva de Javert. Quero que Jean Valjean seja perdoado por todos.

    Fantine tinha ódio de Madeleine, mas agora que o conheceu, descobriu um pouco da verdade por trás de sua desgraça. O Bispo ama todo mundo mesmo. Cosette é só uma criança. Javert vai atrasar a vida de Madeleine e Fantine, é o que prevejo. Continuo com raiva de Javert, mas não o culpo.

    Uma fala de Javert para colocar a gente para pensar:

    “Muitas vezes fui severo na minha vida. Com os outros. Era muito justo. Eu estava agindo corretamente. Agora, se eu não for severo comigo mesmo, tudo o que fiz de justo se tornará injusto. Será que devo poupar-me mais que aos outros? Não. Ora! Não devo ser bom só para castigar os outros e me deixar impune! Tornar-me-ia, então, um miserável! (…) É tão fácil ser bom: o difícil é ser justo” (p. 310)

    Livro VII – O Caso Champmathieu

    “Era tão amável que até parecia frágil, porém, ao mesmo tempo, era mais sólida que um granito.” (p. 313)

    “Por mais sinceros e puros que sejamos, todos teremos, por certo, empanado a nossa candura com esse risco da mentira inocente.” (p. 313)

    “Existe uma coisa que é maior que o mar: o céu. Existe um espetáculo maior que o céu: é o interior de uma alma” (p.

    A vida de Jean Valjean esteve escondida até o momento da desconfiança de Javert. Escondida do próprio Madeleine, que, como outra pessoa, se afastava cada vez mais de seu passado criminoso ajudando o próximo, se tornando um homem bom. Por conta da generosidade do Bispo, mesmo depois tendo cometido mais um crime, Jean Valjean conseguiu se livrar da pessoa ruim que se transformou e reconstruiu a própria vida. Porém, o passado sempre volta, a vida de uma pessoa nunca é somente o momento presente em que ela vive. É também o passado, que, querendo ou não, molda o presente e pode projetar o futuro. E assim, o dia seguinte da vida de Jean Valjean ficou muito diferente depois da conversa dele com Javert, que acredita ter cometido uma falha, porém, tudo era verdade.

    O que fazer com a verdade quando se constrói uma vida misteriosa?

    Jean Valjean é um personagem muito completo, profundo misterioso, intenso. A partir dele, mais uma vez, o leitor pena, analisa e descobre o quanto é difícil ter uma única conclusão sobre as coisas da vida. Tudo tem dois lados, como diz Victor Hugo:

    “Experimentem, em certas horas, penetrar através da face lívida de um ser humano que reflete, olhar no seu íntimo, observar sua alma e examinar essa escuridão. Ali, sob o aparente silêncio, há combates de gigantes como em Homero, batalhas de dragões e hidras e nuvens de fantasmas como em Milton, visões de espirais como em Dante. Que coisa mais sombria é esse infinito que todo homem leva em si mesmo, pelo qual desesperadamente mede os desejos do seu cérebro e as ações da sua vida!”

    Então, Javert, sem querer, coloca Jean Valjean (e o leitor) em profundos pensamentos sobre a sua vida.

    Mas, sem dúvida, um dos momentos mais legais é quando Madeleine expõe a verdade sobre a sua identidade. Por, no momento presente, ser um homem bom, com dinheiro e muito bem visto pela sociedade ninguém tem coragem de prendê-lo. Então, como um deus, ele sai da sala de audiência todo iluminado, cheio de luz. Que momento maravilhoso! O narrado nos conta que as portas se abriram sozinhas para Jean Valjean passar:

    “- Não quero interromper por mais tempo a audiência – disse Jean Valjean. – Vou me embora, já que não me querem prender. Tenho muito que fazer. O Sr. Advogado-Geral sabe quem eu sou, sabe para onde vou e poderá me prender quando quiser.
    Encaminhou-se à porta da saída. Não se ouviu uma voz. Nem um braço sequer ousou impedi-lo. Todos se afastaram.”

    A parte de Fantine termina de um jeito muito triste, porém Jean Valjean volta a ser um foragido da polícia, como um Robin Hood francês, destemido, sem medo, sozinho, indo salvar, enfim – espero, a criança Cosette.

    COSETTE, Livro I – Waterloo

    Vou deixar para a próxima semana.

    428 páginas lidas. Tá lindo!!!

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