Umas das mais importantes instituições de ensino do país, a Unicamp ( Universidade Estadual de Campinas), anunciou este ano que, em 2020, pela primeira vez na história deste país, um disco de música será leitura obrigatória para o vestibular. Sobrevivendo no inferno, álbum de 1997 dos Racionais MC’s, agora também intitula o livro lançado pela Companhia das Letras neste mês de novembro.

Sobrevivendo no Inferno

O livro nada mais é do que um registro de todas as letras das doze faixas que compõem o disco, precedido por uma apresentação à obra escrita por Acauam Silvério de Oliveira, professor de Literatura Brasileira na Universidade de Pernambuco. Em seu texto, o autor vai além de fazer um breve retrospecto da história dos Racionais, que teve início em 1988 no extremo sul de São Paulo a partir do encontro entre Ice Blue e Pedro Paulo Soares Pereira, também conhecido com Mano Brown, que, junto a Edi Rock e KL Jay, seriam, nas palavras do autor, “os quatro pretos mais perigosos do Brasil”.

“(…) o reconhecimento obtido pelo grupo após o sucesso nacional de ‘Diário de um detento’ foi o grande responsável por fazer com que os debates promovidos pelos movimentos identitários extrapolassem as fronteiras mais estreitas da academia e dos movimentos sociais, ganhando assim o campo mais amplo da cultura.” (p. 23).

O autor se refere a Sobrevivendo no Inferno como uma obra que salvou vidas. A explosão do disco em âmbito nacional teria feito com que grupos e organizações sociais, que buscavam sobreviver em meio a cruel realidade das periferias nos anos 90 (o que perdura até hoje), tivessem um reconhecimento externo e se sentissem valorizadas, e fez com que portas se abrissem. Assim como KL Jay (DJ do grupo) já citou em diversas entrevistas cedidas, os negros destas comunidades tiveram, pela primeira vez, voz e representatividade, resultando em um fenômeno de empoderamento e autoestima para essas pessoas.

As letras contêm um realismo na linguagem que, segundo Acauam, é mais do que um raio-x da periferia. É uma representação inédita que vai além da cultura midiática, representada através de alegorias e metáforas que ampliam o significado do que está sendo dito, tendo o próprio título como exemplo disso. É um retrato fiel de como a periferia age, pensa e sente, além de exibir modelos de discurso inerentes daquele grupo em específico, em um determinado momento histórico, que coincidia com o aumento das igrejas pentecostais no Brasil, mesclando nas letras negritude e cristianismo, sem deixar de apresentar, como na faixa que abre o disco “Jorge da Capadócia” de Jorge Ben, referências às matrizes africanas:

“(…) a obra dos Racionais faz apologia à criminalidade? Muito pelo contrário: basta acompanhar as letras de todas as canções e tentar encontrar algum caso de algum criminoso que não tenha um final trágico. ‘A vida bandida é sem futuro’: essa talvez seja a principal lição do disco.” (p. 35).

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