O livro “Situações I – críticas literárias” de Jean-Paul Sartre é um daqueles livros que podemos consultar quando necessitamos recordar alguns caminhos ou até mesmo iluminar a escuridão que a nossa própria linguagem nos coloca. Para mim funciona como um livro de consultas, porém, muito além de uma simples olhadela, uma vez que ler Sartre me coloca em atenção, concentração e admiração.

    Fiz a leitura do Capítulo 13, chamado “Ida e Volta”. Nele, o autor escreve sobre um outro filósofo francês chamado Brice Parain e o livro “Investigações sobre a natureza e as funções da linguagem“, sem tradução para o Brasil.

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    No início, vamos saber que, assim como tantas esferas artísticas e culturais apontam, a viagem possui um sentido muito mais amplo que o deslocar-se fisicamente, pois pode ser considerada como um passo à frente rumo à compreensão do próprio passado ou estado anterior. Mas esse passo nunca é simples, pois cada um sabe das dificuldades que a vida traz. Assim Sartre destaca um trecho da obra “Retorno à França”, também de Parain:

    “Ao cabo de um longo abandono, aprendi que as forças mediadoras são encarregadas de interditar ao homem sair de si, opondo-lhe em seus extremos as barreiras além das quais a destruição o ameaça.” (p. 189)

    Para Sartre, isso seria uma tentativa, pois “ele buscou os extremos, quis sair de si mesmo, e eis que retorna – não é essa toda a história literária do pós-guerra?” Sim, Sartre, é.

    E fiquei pensando nas tantas vezes que fui e voltei. Fisicamente, mas também aqui dentro. Em outro momento da crítica de Sartre, ele comenta sobre os falsos retornos, que seriam quando, por medo das novidades sobre o mundo – a forma de vida, as manifestações culturais e sociais, a liberdade e toda a sua estrutura provocadora, produzir o discurso dos falsos retornos, em nome da moral, dos bons costumes e da ordem (impossível não pensar em nossa atual situações social e política).

    Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir

    A vida e a entrega

    Assim temos a linguagem como único instrumento capaz de nos colocar nas mais diversas situações – boas, ruins, absurdas ou delirantes. Isso nos define, querendo ou não, compreendendo ou não. E como seria esse retorno verdadeiro? Sartre diz:

    “(…) Parain retorna verdadeiramente. Ele conheceu e viveu a tentação do inumano, e retorna lenta e desajeitadamente em direção aos homens, com lembranças que os jovens não têm. (…) Só que seus excessos e seus arrependimentos, suas cóleras, seus desesperos, tudo sempre se passou entre a linguagem e ele.” (p. 190)

    Me parece que a vida é, justamente, a entrega. O abandono de si para depois retornar. E quando retornamos desse modo todo torto, com cóleras e desesperos, podemos, de alguma forma distanciar-se e aproximar-se da linguagem. “Primeiro a ascensão, depois a descida“, Sarte escreveu. E será que sabemos quando é cada momento? Duvido que sim, mas saber de sua existência já é um breve reconhecimento da própria linguagem, seus limites e extensões. Até onde se pode ir e voltar inteira?

    Sartre diz que Parain foi como um camponês enviado ao front durante os últimos anos de guerra. Ele também diz que “o camponês trabalha só, em meio a forças naturais que não precisam ser nomeadas para agir. Ele se cala“. E cita mais um trecho de Parain:

    (…) a destruição social do indivíduo, que (…) tende a prosseguir hoje em dia com a transformação do camponês em operário agrícola (…). Para um camponês (…) a terra é esse intermediário que vincula solidamente seu pensamento à sua ação, que lhe permite julgar e agir (…). Para um operário, para qualquer elemento da civilização industrial, esse elo, esse intercessor, é o plano, é a hipótese científica de construção que lhe fornece ideia de seu lugar no conjunto, que lhe atribui sua utilidade coletiva, seu valor social, e interiormente a ele próprio. É a linguagem que é o gesto da inteligência. Ao passar (…) do campo a cultivar à peça a fabricar, passa-se de um pensamento mais concreto, mais próximo de seu objeto, a um pensamento, mais afastado do objeto.”

    Não devemos também nos esquecer da linguagem do silêncio. A linguagem, como comunicação e interpretação, pode ser entendida, discutida e compartilhada porque antes houve um silêncio e, deste silêncio, uma ideia, uma coisa, alguma coisa. É isso que também aprendi com Sartre e mais um tanto que minha linguagem não me deixa pôr para fora. Ou seria a falta de uma linguagem que explica algo tão complexo? Pode ser isso, afinal, quando nos debruçamos em apenas um capítulo de um livro literário e filosófico, a ideia, segundo a minha linguagem, é que realmente a gente fique sem respostas, mas cheia de perguntas que ainda navegam no silêncio. Aos poucos, dia a dia, conforme o afastamento e a aproximação da linguagem e da vida, tudo vai ganhando sentido, força e palavras saídas da boca.


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