Stella do Patrocínio (1941 – 1992) vivenciou uma grande tragédia que modificou toda a sua vida. Ao caminhar pela rua, foi parada por policiais que consideraram estar diante de uma mulher que precisava ser levada a um hospital psiquiátrico. De lá nunca mais saiu, porém suas palavras (chamadas por ela de falatórios) ecoam até hoje e, sem dúvidas, a colocam como uma das grandes poetas brasileiras.

    A poeta e filósofa Viviane Mosé, publicou em 2001 uma coletânea com as poesias de Stella do Patrocínio, que representam os seus “falatórios” gravados pela equipe do hospital psiquiátrico em que viveu.

    Stella do Patrocínio

    E há muito mais para explicar sobre essa poeta, mas nada melhor que a própria poesia para dizer o que precisa ser dito. Confira abaixo 10 poesias impactantes de Stella do Patrocínio.

    1. Não sou eu que gosto de nascer (Stella do Patrocínio)

    Não sou eu que gosto de nascer
    Eles é que me botam para nascer todo dia
    E sempre que eu morro me ressuscitam
    Me encarnam me desencarnam me reencarnam
    Me formam em menos de um segundo
    Se eu sumir desaparecer eles me procuram onde eu estiver
    Pra estar olhando pro gás pras paredes pro teto
    Ou pra cabeça deles e pro corpo deles

    2. Meu nome verdadeiro

    Meu nome verdadeiro é caixão enterro
    Cemitério defunto cadáver
    Esqueleto humano asilo de velhos
    Hospital de tudo quanto é doença
    Hospício
    Mundo dos bichos e dos animais
    Os animais: dinossauro camelo onça
    Tigre leão dinossauro
    Macacos girafas tartarugas
    Reino dos bichos e dos animais é o meu nome
    Jardim Zoológico Quinta da Boa Vista
    Um verdadeiro jardim zoológico
    Quinta da Boa Vista

    3. Eu sou mundial pobre

    Eu sou mundial pobre
    Tudo pra mim é merda durinha à vontade
    Até ser contaminada e contaminada até ser merda pura
    E é merda fezes excremento bosta cocô
    Bicha lombriga verme pus ferida vômito escarro porra
    Diarreia disenteria água de bosta e caganeira

    4. Eu não sei

    Eu não sei o que fazer da minha vida
    Por isso eu estou triste
    E fico vendo tudo em cima da minha cabeça
    Em cima do meu corpo
    Toda hora me procurando me procurando
    E eu já carregada de relação sexual
    Já fodida
    Botando o mundo inteiro pra gozar e sem nenhum gozo

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    5. Eu era

    Eu era gases puro, ar, espaço vazio, tempo
    Eu era ar, espaço vazio, tempo
    E gases puro, assim, ó, espaço vazio, ó
    Eu não tinha formação
    Não tinha formatura
    Não tinha onde fazer cabeça
    Fazer braço, fazer corpo
    Fazer orelha, fazer nariz
    Fazer céu da boca, fazer falatório
    Fazer músculo, fazer dente

    Eu não tinha onde fazer nada dessas coisas
    Fazer cabeça, pensar em alguma coisa
    Ser útil, inteligente, ser raciocínio
    Não tinha onde tirar nada disso
    Eu era espaço vazio puro

    6. É quadrilha exército povoado

    É quadrilha exército povoado
    Bloco médico escoteiros e bandeirantes
    Isso é família porque família é família
    Tudo é família
    Você não é família?

    Uma família é uma reunião uma reunião
    Uma família pra mim é uma reunião de médicos e cientistas
    Minha família era a família que se garantia
    E sumiu de repente desapareceu mudou
    Mudou não sei se foi porque mudaram as vestimentas
    A família toda com as mesmas roupas
    Com roupas iguais
    E aí mudou as roupas
    Pra poder ficar mais difícil a diferença entre nós

    Escoteiros quem vence são bandeirantes
    Bandeirantes quem domina e vence são escoteiros
    Família é quadrilha exército povoado
    Bloco médico escoteiros bandeirantes
    Corpo de bombeiros quadrilha exército
    Povoado bloco médico corpo de bombeiros

    7. Não deu tempo

    não deu tempo
    eu estava tomando claridade e luz
    quando a luz apagou
    a claridade apagou
    tudo ficou nas trevas
    na madrugada mundial
    sem luz

    Se você está gostando das poesias de Stella do Patrocínio,
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    8. Olha quantos estão comigo

    olha quantos estão comigo
    estão sozinhos
    estão fingindo que estão sozinhos
    pra poder estar comigo

    9. É dito

    É dito: pelo chão você não pode ficar
    Porque lugar da cabeça é na cabeça
    Lugar de corpo é no corpo
    Pelas paredes você também não pode
    Pelas camas também você não vai poder ficar
    Pelo espaço vazio você também não vai poder ficar
    Porque lugar da cabeça é na cabeça
    Lugar de corpo é no corpo

    10. Ainda era Rio de Janeiro (Stella do Patrocínio)

    Ainda era Rio de Janeiro, Botafogo
    Eu me confundi comendo pão
    Eu perdi o óculos
    Ele ficou com o óculos
    Passou a língua no óculos para tratar o óculos com a língua
    Ela na vigilância do pão sem poder ter o pão
    Essa troca de sabedoria de ideia de esperteza
    Dia tarde noite janeiro fevereiro dezembro
    Fico pastando no pasto à vontade
    Um homem chamado cavalo é o meu nome
    O bom pastor dá a vida pelas ovelhas

    Para saber mais sobre Stella do Patrocínio: “A mulher que falava coisas” – Documentário – YouTube

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