As poesias de Jorge Luis Borges transcendem as fronteiras da linguagem, mergulhando os leitores em um labirinto literário onde o tempo é uma ilusão e as palavras são portais para dimensões inexploradas. Com maestria única, Borges tece versos que desafiam a lógica e exploram o infinito, criando um universo poético que combina erudição, filosofia e um profundo fascínio pela complexidade da existência. Sua escrita, enraizada na tradição literária, é uma celebração da imaginação, convidando-nos a contemplar os mistérios da vida por meio de uma linguagem poética inigualável.

    O escritor argentino Jorge Luis Borges deixou um legado literário singular que transcende fronteiras e gerações. Reconhecido por sua combinação de elementos literários e filosóficos, Borges é uma figura emblemática da literatura do século XX.

    Borges é conhecido por seu estilo conciso e preciso, onde cada palavra é cuidadosamente escolhida. Muito se fala de seus contos, que constituem um extraordinário mergulho no universo da literatura fantástica e metaficcional. Em obras como “Ficções” e “O Aleph”, Borges tece tramas intricadas que desafiam a noção convencional de narrativa. Seus contos muitas vezes exploram temas recorrentes, como os labirintos, os espelhos e as bifurcações do tempo, criando uma rede de referências intertextuais que ampliam a profundidade de suas histórias.

    Em suas poesias são como quebra-cabeças intelectuais, convidando os leitores a decifrarem seus significados ocultos e a explorarem a complexidade das ideias apresentadas. Esse aspecto enigmático e a capacidade de transcender as limitações linguísticas e culturais fazem com que as poesias de Jorge Luis Borges continuem relevantes e inspiradoras, sendo objeto de estudo e apreciação em todo o mundo.

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    A importância das poesias de Borges reside na fusão magistral entre erudição e imaginação. Seus versos frequentemente exploram temas metafísicos, labirintos conceituais e reflexões sobre o tempo, criando um universo poético complexo e intrigante. Sua habilidade em mesclar elementos literários, como a tradição clássica e a modernidade, confere uma riqueza única às suas obras. As poesias de Borges são um convite à reflexão profunda, desafiando os leitores a explorarem as fronteiras da realidade e da ficção.

    No panorama da literatura latino-americana, Jorge Luis Borges permanece como uma figura seminal, cujo impacto é duradouro. Sua poesia é uma celebração da mente humana, desafiando-nos a questionar a natureza da realidade e a explorar os recantos mais profundos da imaginação. Borges não apenas influenciou gerações de escritores, mas também deixou um legado que transcende as fronteiras temporais e geográficas, consolidando seu lugar como um dos grandes mestres da poesia universal.

    Confira nossa seleção de poesias de Jorge Luis Borges

    Poema dos dons

    Ninguém rebaixe a lágrima ou censura
    Esta declaração da maestria
    De Deus, que com magnífica ironia
    Me deu mil livros e uma noite escura.

    Desta terra de livros fez senhores
    A olhos sem luz, que apenas se concedem
    Sonhar com bibliotecas e com cores
    De insensatos parágrafos que cedem

    As manhãs ao seu fim. Em vão o dia
    Lhes oferta seus livros infinitos,
    Árduos como esses árduos manuscritos
    Que pereceram em Alexandria.

    De fome e sede (narra a história grega)
    Morre um rei entre fontes e jardins;
    Eu erro sem cessar pelos confins
    Dessa alta e funda biblioteca cega.

    Enciclopédias, atlas, o Oriente
    E o Ocidente, eras, dinastias,
    Símbolos, cosmos e cosmogonias
    Brindam os muros, mas inutilmente.

    Lento nas sombras, a penumbra e o nada
    Exploro com o báculo indeciso,
    Eu, que me figurava o Paraíso
    Como uma biblioteca refinada.

    Algo, que nomear ninguém se atreva
    Com a palavra acaso, arma os eventos;
    Outro já recebeu noutros cinzentos
    Ocasos os mil livros e esta treva.

    Ao errar pelas lentas galerias
    Chego a sentir com vago horror sagrado
    Que sou o outro, o morto, tendo dado
    Os mesmos passos pelos mesmos dias.

    Qual de nós dois escreve este poema
    De um eu plural e de uma mesma mente?
    Que importa o verbo que me faz presente
    Se é uno e indivisível o dilema?

    Groussac ou Borges, olho este querido
    Mundo que se deforma e que se apaga
    Em uma pálida poeira vaga
    Que se parece ao sonho e ao olvido.

    A felicidade

    O que abraça a uma mulher é Adão. A mulher é Eva.
    Tudo acontece por primeira vez.
    Hei visto uma coisa branca no céu. Dizem-me que é a lua,
    mas
    que posso fazer com uma palavra e com uma mitologia.
    As árvores me dão um pouco de medo. São tão formosas.
    Os tranqüilos animais se aproximam para que eu lhes diga seu
    nome.
    Os livros da biblioteca não têm letras. Quando os abro
    surgem.
    Ao folhear o atlas projeto a forma de Sumatra.
    O que ascende um fósforo no escuro está inventando o
    fogo.
    No espelho há outro que está à espreita.
    O que olha o mar vê à Inglaterra.
    O que profere um verso de Liliencron há entrado na
    batalha.
    Hei sonhado a Cartago e as legiões que desolaram a
    Cartago.
    Hei sonhado a espada e a balança.
    Louvado seja o amor no qual não há possuidor nem possuída,
    mas os dois se entregam.
    Louvado seja o pesadelo, que nos revela que podemos criar o
    inferno.
    O que descende a um rio descende ao Ganges.
    O que olha um relógio de areia vê a dissolução de um império.
    O que joga com um punhal pressagia a morte de César.
    O que dorme é todos os homens.
    No deserto vi a jovem Esfinge que acabam de lavrar.
    Nada há tão antigo baixo o sol.
    Tudo acontece por primeira vez, mas de um modo eterno.
    O que lê minhas palavras está inventando-as.

     Os justos

    Um homem que cultiva seu jardim, como queria Voltaire.
    O que agradece que na terra haja música.
    O que descobre com prazer uma etimologia.
    Dois empregados que em um café do Sul jogam um silencioso xadrez.
    O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
    O tipógrafo que bem compõe esta página, que talvez não lhe agrade.
    Uma mulher e um homem que leem os tercetos finais de certo canto.
    O que acaricia um animal adormecido.
    O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
    O que agradece que na terra haja Stevenson.
    O que prefere que os outros tenham razão.
    Essas pessoas, que se ignoram, estão salvando o mundo.

    James Joyce

    Em apenas um dia estão todos os dias 
    Do tempo, desde aquele inconcebível
    Dia inicial do tempo, em que o terrível
    Deus prefixou os dias e agonias

    Até aquele em que o ubíquo rio
    Do tempo terrenal torne à nascente,
    Que é o Eterno, e se apague no presente,
    O futuro, o que foi e o que ora expio.

    Entre a aurora e a noite está a história
    Universal. Vejo, do fundo breu 
    A meus pés o caminho do hebreu,

    Cartago aniquilada, Inferno e Glória.
    Dá-me, Senhor, coragem e alegria
    Para escalar a escarpa deste dia.

    O cúmplice

    Me crucificam e devo ser a cruz e os cravos.
    Me estendem a taça e devo ser a cicuta.
    Me enganam e devo ser a mentira.
    Me incendeiam e devo ser o inferno.
    Devo louvar e agradecer cada instante do tempo.
    Meu alimento é todas as coisas.
    O peso preciso do universo, a humilhação, o júbilo.
    Devo justificar o que me fere.
    Não importa minha ventura ou desventura.
    Sou o poeta.

    Xadrez

    I

    Em seu grava rincão, dois jogadores
    Regem peças, sem pausa. O tabuleiro
    Os prende até a aurora no certeiro
    Âmbito em que se odeiam duas cores.

    Dentro irradiam mágicos rigores
    As formas: torre homérica, ligeiro
    Cavalo, audaz rainha, rei guerreiro,
    Bispo oblíquo e peões ameaçadores.

    Quando os rivais já se tiverem ido
    Quando o tempo os houver já consumido,
    Por certo não terá cessado o rito.

    O Oriente é a origem dessa guerra
    Cujo anfiteatro é hoje toda a terra.
    Como o outro, este jogo é infinito.

    II

    Tênue rei, bispo em viés, encarniçada 
    Rainha, torre à frente e peão alerta
    No branco e negro de uma estrada incerta
    Buscam e travam a batalha armada.

    Não sabem que da mão predestinada 
    Do jogador depende o seu destino,
    Nem sabem que um rigor adamantino
    Sujeita-lhes o arbítrio e a jornada.

    Também o jogador é prisioneiro
    (Segundo Omar) de um outro tabuleiro
    De negras noites e de brancos dias.

    Deus move o jogador, e este, a peça.
    Que deus atrás de Deus o ardil começa
    De pó e tempo e sonho e agonia?

    A um gato

    Os espelhos não são mais silenciosos,
    nem mais furtiva a aurora aventureira:
    eras, à luz da lua, essa pantera
    que ao longe divisamos, temerosos.
    Por obra indecifrável de um decreto
    divino, te buscamos baldamente;
    mais remoto que o Ganges ou o poente,
    a solidão é tua, e o mais secreto.
    Teu lombo condescende à vagarosa
    carícia de uma mão. Tens admitido,
    desde essa eternidade que é já olvido,
    o amor de minha mão tão receosa.
    Em outro tempo estás: és dom, suponho,
    de um âmbito cerrado como um sonho.

    O Sonho

    A noite nos impõe sua tarefa
    mágica. Destecer o universo,
    as ramificações infinitas
    de causas e efeitos, que se perdem
    nessa vertigem sem fundo, o tempo.
    A noite quer que esta noite esqueças
    teu nome, os antepassados e o sangue,
    cada palavra humana e cada lágrima,
    o que a vigília possa te ensinar,
    o ponto ilusório dos geômetras,
    a linha, o plano, o cubo, a pirâmide,
    o cilindro, a esfera, o mar, as ondas,
    tua bochecha na almofada, o frescor
    do lençol novo, os jardins,
    os impérios, os Césares e Shakespeare
    e o que é mais difícil, o que amas.
    Curiosamente, uma pílula pode
    apagar o cosmos e erguer o caos.

    Susana Soca

    Com lento amor fitava os dispersos
    Coloridos da tarde. E se perdia
    Com gosto na complexa melodia
    Ou na curiosa existência dos versos.
    Não o elementar vermelho mas
    Os grises Fiaram seu destino delicado,
    Apto a discernir e exercitado
    Tanto na oscilação como em matizes.
    Sem atrever-se a pisar este perplexo
    Labirinto, observava, sorrateira,
    As formas, o tumulto e a carreira,
    Como aquela outra dama do espelho.
    Deuses que moram para além do rogo
    A abandonaram a esse tigre, o Fogo.

    As coisas

    A bengala, as moedas, o chaveiro,
    a fechadura dócil, as tardias
    notas que não lerão os poucos dias
    que me restam, o naipe, o tabuleiro,
    um livro e dentro dele a emurchecida
    violeta, monumento de uma tarde
    por certo inesquecível já esquecida,
    o rubro espelho ocidental em que arde
    uma aurora ilusória. Quantas coisas,
    atlas, limas, umbrais, taças e cravos
    nos servem como tácitos escravos –
    cegas e estranhamente sigilosas.
    Durarão muito mais que nosso olvido,
    não saberão quando tivermos ido.

    Ao triste

    Eis aqui o que foi: a rude espada
    do saxão e sua métrica de ferro,
    os oceanos e as ilhas do desterro,
    o filho de Laertes, a dourada
    lua do persa e intérminos jardins
    que há na filosofia ou que há na história,
    os ouros tumulares da memória,
    e na sombra o perfume dos jasmins.
    E nada disso importa. O resignado
    exercício do verso não te salva,
    nem as águas do sonho, nem a estrela
    que na noite arrasada esquece a alva.
    Somente uma mulher é teu cuidado:
    igual a tantas outras, mas é ela.

    Arte poética

    Olhar o rio feito de tempo e água,
    e recordar que o tempo é outro rio,
    saber que nos perdemos como o rio
    e que passam os rostos como a água.

    Descobrir que a vigília é outro sonho
    que sonha não sonhar; sentir que a morte
    que teme nossa carne é essa morte
    de cada noite, que se chama sonho.

    No breve dia ou no ano ver um símbolo
    dos dias do homem e também seus anos,
    e o longo ultraje converter dos anos
    num rumor, numa música e num símbolo:

    ver o sonho na morte, ver no ocaso
    um ouro triste – tal é a poesia,
    que é imortal e pobre. A poesia
    retorna como a aurora ou como o ocaso.

    Às vezes, pelas tardes, uma cara
    nos mira desde o fundo de um espelho:
    a arte deve ser como esse espelho
    que nos revela nossa própria cara.

    Contam que Ulisses, farto de prodígios,
    chorou de amor ao divisar sua Ítaca
    humilde e verde. A arte é essa Ítaca,
    de verde eternidade, e não prodígios.

    Também é como um rio interminável
    que passa e fica, e é o cristal de um mesmo
    Heráclito inconstante, que é o mesmo
    e é outro, como o rio interminável.

    Os livros de poesia de Jorge Luis Borges

    Poesias – Jorge Luis Borges

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