Em A memória de nossas memórias, de Nicole Krauss, as perdas se tornam silêncios necessários e desesperadores, uma adequação quieta e também inconformada.

Uma não-resenha opinativa

Há segredo nas histórias vividas pelos personagens de Nicole Krauss; segredos guardados numa escrivaninha grotesca, ou segredos escritos sobre ela. Uma escrivaninha liga as três histórias, que na verdade são seis narrativas que se entrelaçam; Nicole faz tudo permanecer na linha. Nada foge do controle. Nicole Krauss não destrói a beleza do romance interligando premeditadamente as histórias através de encontros, revoluções do passado, regressos inexplicáveis ou desconcertantes a ponto de tornar tudo previsível e ridículo. O leitor que faça qualquer conexão, que use a memória, que retorne às páginas para resgatar sentidos; o leitor que abra as suas próprias gavetas e receba os significados alheios.

São muitas vozes, narradores presos a reminiscências; são diversas lembranças de solidão e pesar; pedaços de vida rasgados e escondidos no passado, numa peça de madeira animalesca que percorre presente e passado, lavada com poeira e desistência, e traz um peso invencível para dentro do leitor. Tem alguém que partiu, outro que doou cuidado; os que morreram, e aqueles que só puderam conviver com tudo que os outros escolheram, e que o fizeram sem saber o quanto era necessário permanecer apenas na escolha alheia.

Existe ausência; presenças que se liquefazem numa solidão inescapável. Poderiam ser contos. Creio que há uma trama mais fragmentada, os capítulos são ainda comunicantes, dependentes. No começo da leitura, parece ser um embuste; a escrita parece não envolver; depois, delicadamente bem ajustada a história começa a produzir sentido. Não importa mais a divisão e subdivisão do romance. Nicole fisga o leitor com a narrativa rica, viva, e mais audaciosa que A história do amor (2005, Cia da Letras).

Homens e mulheres que deixaram algo escapar de suas mãos; adultos que perderam algo, talvez o futuro. É como as histórias são contadas que importa; não há um personagem destacado, apenas a memória batendo na tecla de que o pior de nossas vidas não precisa ser esquecido.

Existem ainda as perdas que tornam os silêncios necessários e desesperadores, uma adequação quieta e também inconformada. Depois das revelações – a esposa ordeira e secreta que não expõe o mistério que a torna profunda; o filho que regressa incomunicável; o amor de um homem que some nas mãos de uma ditadura; o herdeiro que morre – as lembranças precisam ser reconsideradas. Precisa-se reler e reescrever tudo o que existia na memória. É assim com os personagens, é assim com qualquer um.

E, no final, ou ainda no começo, não me recordo, o perdão. Algo maior que a própria vida.

Onde Comprar A memória de nossas memórias (Nicole Krauss): Amazon

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1 comentário

  1. Alister Vieira on

    Da série: li o primeiro parágrafo da resenha, parei e fui procurar o livro na estante virtual.

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