Os dragões não conhecem o paraíso dialoga com o leitor de maneira honesta e sincera, certas vezes sutil, como no primeiro conto e suas relações [veladas] com os sintomas da AIDS; certas vezes explícitas, em suas referências musicais, astrológicas e cinematográficas espalhadas por todo livro.
Em treze distintas peças de arte da literatura confessional, Caio Fernando Abreu caminha lado a lado com seus leitores para descortinar os véus que cobrem as angústias, frustrações, abandono, medo e solidão do ser supostamente social que julgamos ser. Ele escreve para chocar, para confrontar, incomodar e, principalmente, – e esse é o que considero ser o maior papel de um escritor – para transformar. E como consegue. Ninguém passará incólume a esse livro, não neste século, não enquanto estivermos no grau de evolução em que nos encontramos.
As 13 partes da obra
Caio odiava rótulos, odiava que o retratassem como escritor depressivo, fama que ganhou por cutucar tão firmemente as feridas da pequenez humana e as migalhas de sentimentos que somos capazes de oferecer nas relações que estabelecemos, quase sempre, forjando generosidade. Mesmo esse livro ele próprio não rotulou pois permitiu que leitor decidisse: seriam 13 contos ou 13 capítulos de um romance-móbile?
Decidi-me pela segunda alternativa. O livro se desdobra em 13 partes, onde o fio condutor é a intensa paixão que seus personagens manifestam em histórias extraordinárias e impecavelmente bem escritas. Perfeccionista e intenso, – seu único clichê era ser virginiano – Caio revisava seus textos exaustivamente, chegando a escrever centenas de páginas para publicar uma décima parte. E percebe-se isso em cada conto, no cuidado com cada palavra esculpida para caber entre o sentimento escrito e o tempo que o leitor leva para identificá-lo e elaborá-lo.
Um livro honesto e sincero
Os Dragões, dialoga com o leitor de maneira honesta e sincera, certas vezes sutil, como no primeiro conto e suas relações [veladas] com os sintomas da AIDS; certas vezes explícitas, em suas referências musicais, astrológicas e cinematográficas espalhadas por todo livro; completamente escancaradas, como em Sem Ana, Blues; outras ainda nostálgicas e simbólicas como em Os Sapatinhos Vermelhos – alusão ao famoso conto homônimo de Andersen; ou despidamente agressiva e solitária como em Dama da Noite, que há quase 3 anos é sucesso no Teatro através da emocionante [e premiada] atuação de Luiz Fernando Almeida (direção de André Leahun), e que em 2014 também a interpretará no Cinema.
Li os Dragões em Português, pela Companhia Das Letras e em Inglês, pela Verulam Publishing, em sua série Boulevard Latin Americans, edição única, 1990. O livro foi um sucesso em Francês e Inglês, para felicidade de Caio, e deu a ele seu segundo Jabuti, em 1988.
“Você vai me abandonar – repetiu sem som, a boca movendo-se muito perto do fone – e eu nada posso fazer para impedir. Você é meu único laço, cordão umbilical, ponte entre o aqui de dentro e o lá de fora. Te vejo perdendo- se todos os dias entre essas coisas vivas onde não estou. Tenho medo de, dia após dia, cada vez mais não estar no que você vê. E tanto tempo terá passado, depois, que tudo se tornará cotidiano e a minha ausência não terá nenhuma importância. Serei apenas memória, alívio, enquanto agora sou uma planta carnívora exigindo a cada dia uma gota de sangue para manter-se viva. Você rasga devagar seu pulso com as unhas para que eu possa beber. Mas um dia será demasiado esforço, excessiva dor, e você esquecerá como se esquece um compromisso sem muita importância. Uma fruta mordida apodrecendo em silêncio no prato.”
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