É possível não gostar de um clássico e tudo bem. De repente, a sensação que bate é que somos levados para o caminho de ter que entender e conhecer todos os livros considerados essenciais para a humanidade. Chega a ser desesperador quando alguém pergunta: já leu os russos? E você responde que não, mas que tem muito interesse, inclusive já comprou o seu Guerra e Paz. Ou, um outro exmplo, em uma conversa sobre livros, há aqueles que sempre conseguem trazer referências clássicas. Vocês estão conversando sobre o último lançamento do ano e a pessoa consegue fazer uma análise baseada em Shakespeare. E você: Shakespeare? Humm… só li alguns trechos e assisti algumas peças.

Então, respira fundo que você não está sozinho. Semana passada, enquanto eu lia a biografia do Tolkien, percebi que ele, ao mesmo tempo tão genial, era um cara comunzão, como eu e você. Que gostava – amava – certas coisas na literatura, mas outras não conseguia entender o interesse tão eminente de todo mundo.

Veja só: Tolkien achava Shakespeare bem bléh e não via sentido algum na literatura do cotidiano. Selecionei abaixo dois trechos dos livros dele que li neste mês. Confesso que me corta o coração esse desdém por Shakespeare e também pela literatura que não seja fantástica. Mas está tudo bem, talvez se Tolkien não fosse tão defensor de sua arte não teria produzido um mundo fantástico tão importante para a literatura:

“Qualquer pessoa que tenha herdado o fantástico dispositivo da linguagem humana pode dizer “o sol verder'” Muitos podem então imaginá-lo ou concebê-lo. Mas isso não é suficiente – apesar de já poder ser algo mais potente do que muitos “breves esboços” ou “reproduções da vida” que recebem louvores literários.”
(p. 51, Sobre histórias de fadas – J.R.R. Tolkien)

“[Tolkien] era familiarizado com Chaucer, completamente desinteressado por Shakespeare, impacível diante dos escritores da “era moderna” (de George Eliot a T.S. Eliot, passando por Charles Dickens). 
(p. 93, Biografia: Tolkien – o senhor da fantasia – Michael White)

Assim, está tudo bem não gostar de um clássico. Vejo que o fato de Tolkien ter seus motivos para não mergulhar na obra de Shakespeare, são suficientes porque, gostando ou não, ele deixou a sua marca no universo da literatura fantástica e possuí um domínio da língua e cultura inglesa surreal, fruto de muito trabalho e entusiasmo. Agora, a pergunta que fica:

O leitor comum pode ler e não gostar de um clássico? Pode.

Um leitor comum pode não querer ler um clássico? Pode.

Tá tudo bem.

Share.