Sobre a leitura, Rubem Alves colocou uma importante luz sobre os livros e a educação. Em seu texto “O prazer da leitura”, ele mostra como poderia ser o ato de ensinar a ler.

    Rubem Alves foi um escritor, educador, psicanalista e teólogo brasileiro. Nasceu em 1933, faleceu em 2014, deixando para todos nós crônicas, livros infantis, textos sobre filosofia e também sobre religião.

    O prazer da leitura

    Segundo Rubem Alves, a leitura deve ser ensinada como se ensina a música, pois a música não é ensinada fragmentada, pelas notas musicais, e sim a canção como um todo.

    A mãe pega no bebê e embala-o, cantando uma canção. E a criança percebe a canção. O que o bebé ouve é a música, e não cada nota, separadamente! E a evidência da sua compreensão está no facto de que ele se tranquiliza e dorme – mesmo nada sabendo sobre notas!

    Eu aprendi a gostar de música clássica muito antes de saber as notas: a minha mãe tocava-as ao piano e elas ficaram gravadas na minha cabeça. Somente depois, já fascinado pela música, fui aprender as notas – porque queria tocar piano. A aprendizagem da música começa como percepção de uma totalidade – e nunca com o conhecimento das partes.

    Isto é verdadeiro também sobre aprender a ler. Tudo começa quando a criança fica fascinada com as coisas maravilhosas que moram dentro do livro. Não são as letras, as sílabas e as palavras que fascinam. É a história.

    E como é o ato de ensinar a ler hoje?

    Hoje as crianças aprendem de forma fragmentada. Aprendem o alfabeto, depois a formar sílabas, frases, parágrafos… se junto com esses processos tradicionais, ela tem contato com os livros – pela escola, pela família, etc, a probabilidade dessa criança se tornar um leitor é grande. Por outro lado, temos uma situação muito comum que acontece conforme os anos escolares vão passando e a criança vai crescendo: cada vez a leitura é menos estimulada, cada vez ela está menos presente na vida do jovem até que chega o momento do ensino médio, em alguns casos um pouco antes, que então ele é obrigado a ler para passar no vestibular.

    Leitura obrigatória funciona?

    Não. Quem é que gosta de fazer algo por obrigação? Ninguém. Para alguns alunos, que possuem uma certa familiaridade com os livros (a memória afetiva), podem desenvolver um prazer com os livros indicados pelos vestibulares, mas, infelizmente, a maioria encara os livros obrigatórios como chatos, o que leva a traumas e certezas de que ler é uma coisa muito ruim. E assim se perde mais um soldado, pois acontece tudo ao contrário da ideia de Rubem Alves:

    Toda a aprendizagem começa com um pedido. Se não houver o pedido, a aprendizagem não acontece. Há aquele velho ditado: É fácil levar a égua até ao meio do ribeirão. O difícil é convencer a égua a beber. Traduzido pela Adélia Prado: Não quero faca nem queijo. Quero é fome. Metáfora para o professor.
    Todo o texto é uma partitura musical. As palavras são as notas. Se aquele que lê é um artista, se ele domina a técnica, se ele desliza sobre as palavras, se ele está possuído pelo texto – a beleza acontece. E o texto apossa-se do corpo de quem ouve. Mas se aquele que lê não domina a técnica, se luta com as palavras, se não desliza sobre elas – a leitura não produz prazer: queremos logo que ela acabe.

    Vendem-se, nas livrarias, livros com resumos das obras literárias que saem nos exames. Quem aprende resumos de obras literárias para passar, aprende mais do que isso: aprende a odiar a literatura.

    A beleza musical do texto

    Qual é o perfil da pessoa que lê e encanta, que faz o outro amar a leitura também?

    Assim, quem ensina a ler, isto é, aquele que lê para que os seus alunos tenham prazer no texto, tem de ser um artista. Só deveria ler aquele que está possuído pelo texto que lê. Por isso eu acho que deveria ser estabelecida nas nossas escolas a prática dos “concertos de leitura”. Se há concertos de música erudita, jazz – por que não concertos de leitura? Ouvindo, os alunos experimentarão o prazer de ler.

    E acontecerá com a leitura o mesmo que acontece com a música: depois de termos sido tocados pela sua beleza, é impossível esquecer. A leitura é uma droga perigosa: vicia… Se os jovens não gostam de ler, a culpa não é só deles. Foram forçados a aprender tantas coisas sobre os textos – gramática, usos da partícula “se”, dígrafos, encontros consonantais, análise sintática – que não houve tempo para serem iniciados na única coisa que importa: a beleza musical do texto.

    A missão do professor, da escola, da família, do amigo, do cachorro, do gato…

    Ler, apesar de ser um ato isolado, é também uma função social, ideológica que, quando ocorre a oportunidade de trocar o conhecimento adquirido pelo livro, o valor e a quantidade das maravilhas que envolvem esse ato são inumeráveis. Então, todos os cidadãos podem fazer parte.

    Acho que as escolas só terão realizado a sua missão se forem capazes de desenvolver nos alunos o prazer da leitura. O prazer da leitura é o pressuposto de tudo o mais. Quem gosta de ler tem nas mãos as chaves do mundo. Mas o que vejo a acontecer é o contrário. São raríssimos os casos de amor à leitura desenvolvido nas aulas de estudo formal da língua.

    Qual é o sonho de Rubem Alves e o nosso também?

    Sonho com o dia em que as crianças que leem os meus livrinhos não terão de analisar dígrafos e encontros consonantais e em que o conhecimento das obras literárias não seja objeto de exames: os livros serão lidos pelo simples prazer da leitura.

    Sonho é utopia, é como querer começar tudo do zero, desmontar e montar tudo de novo, cada pessoa, cada comunidade, cada bairro, cidade país… mas isso não podemos fazer, o que podemos – e devemos – é levantar a bandeira da leitura que, por ela, é possível conquistar o mundo.

    Em resumo, primeiro o aluno aprende a ler, da mesma forma que ele aprende a ouvir música. Se ele quiser, ele vai buscar mais – a gramática, a literatura clássica, etc, assim como a música. Todos nós somos ótimos ouvintes, adoramos ouvir uma música e sair por aí dançando, por prazer, por entretenimento, por amor à uma arte. Que assim seja com a leitura também.

    Leia a crônica completa aqui: Revista Educação

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    4 Comentários

    1. Oi, Francine, que entrevista linda, do nosso Rubens Alves, quanto conhecimento e amor pela leitura, espero que o sonho dele se torne realidade, e quem sabe formar uma sociedade mais critica e que possa ver a real importância no conhecimento deixado pela escrita.

    2. poderia me passar as referencias desse texto do Rubem Alves? estou usando o texto como citação na minha dissertação de mestrado.Obrigada.

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