Virei a última página de Linha M com a mesma sensação de quando termino de ouvir um disco que me cativou, de uma banda de discografia curta, ou em seu álbum de estreia. E agora? Quero mais e só tenho isso! Foi assim com Só Garotos (Companhia das Letras, 2010) e aconteceu novamente. Por que faz isso Patti Smith?

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O sentimento de ser tocado por uma obra é de fato relativo. Ainda hoje, existe uma locadora de filmes próximo a minha casa (sim, acredite e não deboche de mim), e com alguma regularidade vou até lá alugar algum título. Se tem uma coisa que não dá certo, e de certa maneira eu abomino, é recomendação do atendente/proprietário. O filme que lhe comoveu, geralmente não me comove. A ação não me empolgou da mesma maneira que a ele, e assim por diante. Com os livros penso ser o mesmo. Sempre temo resenhar após o término de um livro que me preencheu de alguma maneira, pois sei que a medida do preenchimento das pessoas são diferentes.

Patti Smith em Linha M (Companhia das Letras, 2016) não traça uma linha contínua de narrativa. Ela mesma disse que ao escrever este livro, deixou que ele tomasse seu próprio rumo. Quase sempre, os fatos são narrados entre memórias, anotações e um café quente, na frequente rotina de se sentar na mesma cadeira em sua cafeteria favorita em Greenwich Village, o Café ‘Ino. É dali que somos carregados para lapsos de seus sonhos que se interligam, e sua frequente busca por um significado aos dizeres de um enigmático vaqueiro que teima em aparecer entre um sonho e outro.

Munida por sua Polaroid, Patti viaja a diversos locais do mundo, sempre com alguma missão na qual atribuiu significado particular, como uma forma de agradecer ou poder se sentir parte da aura que envolve seus mestres literários como Jean Genet, Sylvia Plath, Fridah Kahlo, Rimbaud, entre outros. É de certo modo um tributo ao seu marido e músico Fred Sonic Smith, ao qual ela dispensa o mesmo carinho em palavras como fez para Robert Mapplethorpe em Só Garotos.

“Desejamos coisas que não podemos ter. Tentamos conservar certos momentos, sons, sensações. Quero ouvir a voz da minha mãe. Quero ver meus filhos ainda crianças. Mãozinhas pequenas, pés ligeiros. Tudo muda. Garoto crescido, pai morto, filha mais alta que eu, chorando por causa de um sonho ruim. Por favor, fiquem aqui pra sempre, digo pras coisas. Não vão embora. Não cresçam.” (pág. 170)

Patti se mostra também apaixonada por séries policiais e de detetive como CSI, Law and Order, Chicago P.D entre outras. Diz não gostar dos assassinatos, autópsias e cenas bárbaras. Para ela, o encantamento está em tentar decifrar como funciona a mente dos detetives. A forma como articulam pensamentos e interligam fatos até chegar ao desfecho de um caso. Isso a fascina e a faz, se necessário, adiar um vôo para assistir a uma saga de episódios, em um quarto de hotel em algum canto do mundo.

“O que fazer com essas pessoas que podemos acessar e dispensar através do controle remoto, mas que amamos tanto quanto um poeta do século XIX, ou como um estranho que admiramos ou como um personagem da pena de Emily Brontë? O que fazer quando um deles chega a se misturar à nossa autoconsciência, mas acaba sendo transferido a um espaço finito de um portal sob demanda?” (pág. 194)

Não quero ser como o proprietário da locadora de filmes. Não vou te recomendar o livro. Apenas te dizer que foram horas muito agradáveis entre páginas e xícaras de café que se confundiam com as incontáveis xícaras citadas no livro. E também é bom ressaltar que a biografia de Patti Smith não se resume apenas a “Só Garotos” e “Linha M”. Ela também escreveu pequenos títulos difíceis de serem encontrados e ainda não traduzidos, voltados mais para sua poesia como “Witt”, “Babel”, “Woolgathering”, “The Coral Sea” e “Auguries of Innocence”, mas é este distanciamento para essas demais obras, que me causa a aflição de uma banda ótima, com apenas dois discos lançados. Gimme more Patti Smith!

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