Já me encontrava totalmente rendido ao livro “Boston: A Mais Longa das Maratonas” (Editora Arquipélago, 2018), escrito pelo jornalista Sérgio Xavier Filho, após ter percorrido as primeiras cinquenta páginas (a sensação como corredor amador lendo o livro era, sim, a de ter percorrido páginas), quando fui apresentado à incrível história de Kathrine Switzer, a primeira mulher a participar da Maratona de Boston, em 1967, numa época em que apenas homens podiam participar de provas de rua nos EUA.

    A história de Kathrine com a corrida teve início em 1960, quando se preparava para entrar no Ensino Médio. Certo dia, decidiu contar ao pai que gostaria de se tornar cheerleader da escola, e o que obteve como resposta nunca mais saiu de sua mente e fez muito mais sentido para ela. O pai disse: “Você não quer ser uma cheerleader, torcedores torcem por outras pessoas. Você quer é que torçam por você. A vida é participar, não assistir.”

    Kathrine passou a jogar hóquei pela equipe da escola, e a corrida começou a fazer parte de seu treino como uma forma de condicionar o corpo. Em pouco tempo, se encantou pelo esporte, mas não havia na época nenhuma equipe feminina de corrida. Passou, então, a treinar em um time masculino, onde conheceu seu treinador, Arnie Briggs.

    Briggs não se cansava de contar seus feitos na Maratona de Boston, que até hoje é a mais almejada por corredores de todo o mundo. Além de ser uma das maratonas mais desafiadoras no quesito percurso, correr Boston já é em si uma consagração para o corredor amador. Não é como outras das principais provas no mundo, em que o pagamento de uma inscrição e, no máximo, a dificuldade de um sorteio sejam um obstáculo para estar lá. Boston só aceita os bons. É preciso a comprovação de ter corrido uma maratona com índices de tempos baixíssimos de acordo com a sua faixa etária. Muita gente passa uma vida perseguindo esse índice, e foi inclusive a busca dessa marca que fez o autor Sérgio Xavier escrever o livro.

    Kathrine estava decidida a correr Boston. Quando contou ao seu treinador, lhe causou um susto tremendo. Briggs disse que mulheres eram fracas e frágeis e que não poderiam correr uma maratona. A reação de Kathrine foi treinar com mais afinco, e fez seu treinador garantir que, se ela suportasse os treinos, ele correria a prova ao seu lado. Para evitar a chance de uma recusa no ato da inscrição, colocou no formulário as iniciais de seu nome, K. V. Switzer.

    Na manhã da prova, com um moletom cinza com capuz e o enorme número 261 no peito, largou sem ser importunada. Na altura do quilômetro 3, do ônibus de imprensa que trazia também o diretor da prova, Jock Semple, alguém notou que se tratava de uma mulher. Vestindo calça e gravata, Sample desceu correndo do ônibus e passou a correr atrás de Kathrine, ordenando que ela entregasse o número e se retirasse da prova. Quando já estava próximo de conseguir tocá-la, Tom Miller, seu namorado, de 115 kg, conseguiu empurrá-lo, enquanto seu treinador gritava: “Vá e corra com tudo”.

    Kathrine Switzer com a sua medalha após completar a 121ª Maratona de Boston, em abril de 2017. (AP Photo/Elise Amendola).

    Apenas em 1972, após o feito de Kathrine, as mulheres passaram a ser aceitas nas provas de rua dos EUA. Com mais de 35 maratonas corridas, Kathrine criou programas esportivos para mulheres em 27 países. O número 261 ainda é utilizado como um símbolo de resistência feminina nos EUA. Escreveu o livro Marathon Woman e ainda viaja o mundo promovendo corridas e caminhadas femininas. Desde 2011, integra o seleto grupo pertencente à calçada da fama das mulheres dos Estados Unidos.

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