O Futurismo fez parte das vanguardas europeias do início do século XX. Como um parente do Modernismo, que tinha como um dos objetivo renovar a tradição estética da arte, o movimento artístico colocou os olhos no futuro, porém, de uma forma extrema, radical e sem considerar a sociedade e toda a sua complexidade e pluralidade.

    O Futurismo acreditava na necessidade de apagar a arte do passado e, liderado pelo italiano Giacomo Balla (1871 – 9158), tinha como base o patriotismo e, também, um apelo em prol da guerra, do caos e da violência. Alguns artistas adeptos ao movimento apoiaram categoricamente Mussolini, um líder fascista.

    Igual e diferente

    Na escrita, foram influenciados pelo Modernismo, com a presença de formas livres, versos fragmentados e quebra de padrões estéticos. Na pintura, tiveram fortes marcas do Cubismo, movimento liderado por Pablo Picasso.

    O Movimento Futurista de 1909: tenhamos nojo

    O poeta italiano Fillipo Marinetti publicou em um jornal da época o Manifesto Futurista que, de forma clara, potencializou os ideais fascistas e machistas desse grupo de radicais.

    Não publicarei o texto de Marinetti aqui por questões óbvias, pois suas palavras deixam claro o ódio que ele nutria pelas mulheres e o prazer que ele sentia pela guerra, a morte, a violência…

    Sabemos que o Futurismo de 1909 dialogava com o período em questão e que as críticas atuais podem soar anacrônicas. Porém, as bases fascistas do movimento estão vivas e sendo reapropriadas. O quanto deste movimento literário e artístico, tão opressor e bizarro, permanecem nos dias de hoje?

    Movimento contra o fascismo na Itália, século XX.

    A palavra “futurista” pode nos levar para lugares democráticos?

    A palavra em si possui uma função poderosa. Ao nomear uma novidade, como um movimento artístico, cristalizamos a palavra e fica difícil tirá-la do contexto. Porém, o ato de nomear as coisas também tem uma função social, no sentido de que são as pessoas que constroem e desconstroem a linguagem, as palavras, os significados.

    No dicionário Michaelis, a definição de futurismo é com base no movimento artístico de 1909:

    1. Movimento artístico de implicações políticas, fundamentalmente italiano e de caráter literário, plástico, arquitetônico e musical, que pretendia romper totalmente com a arte do passado e retratar o caráter dinâmico do século XX. Suas obras glorificavam a força, a velocidade, a energia, a era da máquina, o esporte e a guerra, e seus representantes, que atacavam as academias e os museus, terminaram por favorecer, ao menos em tese, o florescimento do fascismo. Como movimento organizado, surge em 1909 com o Manifesto Futurista do poeta italiano Fillipo Tommaso Marinetti (1876-1944), chega ao apogeu em meados da década de 1920 e desaparece duas décadas depois, não chegando a sobreviver à Segunda Guerra Mundial.
    2. Qualquer forma de arte que se caracteriza basicamente pela extravagância.

    Mas, atualmente, quando usamos a palavra futurismo, ela nos leva aos fascistas do movimento artístico de 1909? Podemos (re)significar essa palavra enquanto lidamos com a arte que olha para o futuro? E será mesmo que os pressupostos do Manifesto Futurista desapareceram ou ganharam uma nova roupagem?

    Não podemos tolerar o intolerante

    Muito se fala da arte enquanto uma força de liberdade. No entanto, a liberdade proposta pelos fascistas e pelo futurismo era apenas para os adeptos do movimento. Enquanto a outra parte da sociedade deveria ser eliminada. Um movimento que não conseguia dialogar com, nem sequer admitir a diversidade, traço tão marcante da humanidade e tão essencial para as manifestações artísticas.

    Neste mesmo sentido, hoje em dia, os fascistas possuem essa liberdade a partir do “escudo” invisível, mas muito eficaz, chamado internet. O conteúdo do ódio é propagando na mesma proporção que os artigos do manifesto escrito em 1909 por Marinetti. O que nos leva a pensar: em que mudamos e para onde vamos se continuarmos a tolerar o intolerante?

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    O que um novo futuro nos reserva?

    Saber desse movimento artístico cruel e desumano é um gatilho para manter a nossa descrença enquanto sociedade conciliadora. No passado, quando não havia a tecnologia das redes sociais e da comunicação em grande escala, eles conseguiram marcar seus nomes em um movimento artístico. Hoje, por meio da tecnologia e suas formas de propagação de ódio, os machistas e fascistas de plantão estão aí, confortáveis em sua burrice, e ensinando, quem sabe, para um futuro distante, que ignorância e violência são e sempre serão o maior erro de uma sociedade.

    À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
    Tenho febre e escrevo.
    (Fernando Pessoa – Ode Triunfal)

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