Uma seleção com as 34 melhores poesias de Machado de Assis, um dos nomes mais proeminentes da literatura brasileira e mundial, celebrado por sua imensa relevância e contribuição para a arte literária.

    Nascido em 1839, no Rio de Janeiro, ele se destacou como escritor, poeta, cronista e também como um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Sua obra, que abrange diversos gêneros literários, é um reflexo agudo da sociedade brasileira do século XIX e início do século XX. O que torna Machado de Assis verdadeiramente notável é a habilidade com que ele explorou as complexidades da natureza humana, desafiando as normas literárias e sociais de sua época. Seus romances, contos e peças teatrais, como “Dom Casmurro” e “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, são exemplos brilhantes de sua escrita perspicaz e irônica, que exploram temas como a psicologia dos personagens, a decadência da aristocracia e a hipocrisia da sociedade.

    Nas poesias de Machado de Assis, encontramos uma voz lírica que reflete sua visão cética e irônica do mundo, muitas vezes abordando questões existenciais, a efemeridade da vida e a natureza humana. Seu estilo poético é marcado por uma concisão e economia de palavras, com uma precisão que ecoa sua maestria na prosa.

    É um perigo para o poeta assinalar-se fortemente nos domínios da prosa. Entra ele nesse caso numa competência muito mais ingrata do que a dos seus confrades: a competência consigo próprio. (…) Machado de Assis poeta tornou-se vítima de Machado de Assis prosador

    Manuel Bandeira, em “O Poeta”

    Machado de Assis transcende as fronteiras brasileiras, sendo reconhecida internacionalmente como um dos mestres da literatura mundial. Sua técnica literária inovadora e seu olhar crítico sobre a condição humana ecoam até os dias de hoje, influenciando uma ampla gama de escritores, acadêmicos e artistas.

    Conversamos com amigos, escritores, leitores e professores sobre as melhores poesias de Machado de Assis e chegamos a esse número extenso, porém essencial para conhecer o autor.

    Conheça abaixo as melhores poesias de Machado de Assis:

    1. A saudade (1855)

    [Ao meu primo o Sr. Henrique José Moreira]

    Meiga saudade! — Amargos pensamentos
    A mente assaltam de valor exausta,
    Ao ver as roxas folhas delicadas
    Que singelas te adornam.

    Mimosa flor do campo, eu te saúdo;
    Quanto és bela sem seres perfumada!
    Que te inveja o jasmim, a rosa e o lírio
    Com todo o seu perfume?

    Repousa linda flor, num peito f ‘rido,
    A quem crava sem dó a dor funesta,
    O horrível punhal, que fere e rasga
    Um débil coração.

    Repousa, linda flor, vem, suaviza
    A frágua que devora um peito ansioso,
    Um peito que tem vida, mas que vive
    Envolto na tristeza!…

    Mas não… deixo-te aí causando inveja;
    Não partilhes a dor que me consome,
    Goza a ventura plácida e tranquila,
    Mimosa flor do campo.

    2. A uma senhora que me pediu versos (1901)


    Pensa em ti mesma, acharás
           Melhor poesia,
    Viveza, graça, alegria,
           Doçura e paz.

    Se já dei flores um dia,
           Quando rapaz,
    As que ora dou têm assaz
           Melancolia.

    Uma só das horas tuas
           Valem um mês
    Das almas já ressequidas.

           Os sóis e as luas
    Creio bem que Deus os fez
           Para outras vidas.

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    Edição esgotada nas principais livrarias, mas é possível encontrar em sebos

    3. Amanhã (1857)

    Amanhã quando a lâmpada da vida
    Na minha fronte se apagar, tremendo,
    Ao sopro do tufão,
    Oh! derrama uma lágrima sincera
    Sobre o meu peito macilento e triste,
    E reza uma oração!

    Será uma saudade verdadeira,
    Uma flor que me arome a sepultura,
    Um raio sobre o gelo…
    Ouvirei a canção das tuas dores,
    E levarei saudades bem sombrias
    Deste meu pesadelo.

    Lembrarei além-túmulo essas noites
    Misteriosas festivais e belas
    Da estação dos amores!
    Noites formosas, para amor criadas;
    Que coroavam nosso amor tão puro
    De ventura e de flores!

    Lembrarei nosso amor… E o teu pranto
    Ardente como a luz de um sol do estio
    Irá banhar-me a campa
    E as lágrimas leais que derramares,
    O astro beijará — que pelas noites
    No oceano se estampa!

    Um olhar, um olhar desses teus olhos!
    Eu o peço, mulher! sobre o meu túmulo
    Um olhar de afeição!
    Assim o sol — o ardente rei do espaço
    Deixa um raio cair nas folhas secas
    Que matizam o chão!

    Um olhar, uma lágrima, uma prece,
    É quanto basta em única lembrança.
    Teresa, ao teu cantor.
    Chora, reza, e contempla-me o sepulcro
    E na outra vida de um viver mais puro
    Terás o mesmo amor.

    4. Cala-te, amor de mãe (1865)

    Cala-te, amor de mãe! Quando o inimigo
    Pisa da nossa terra o chão sagrado.
    Amor de pátria, vivido, elevado,
    Só tu na solidão serás comigo!

    O dever é maior do que o perigo;
    Pede-te a pátria, cidadão honrado;
    Vai, meu filho, e nas lides do soldado
    Minha lembrança viverá contigo!

    É o sétimo, o último. Minh’alma repartida,
    Vai toda aí, convosco repartida,
    E eu dou-a de olhos secos, fria e calma.

    Oh! não te assuste o horror da márcia lida;
    Colhe no vasto campo a melhor palma;
    Ou morte honrada ou gloriosa vida.

    5. Esta noite (1858)

    Os teus beijos ardentes,
    Teus afagos mais veementes,
    Guarda, guarda-os, anjo meu;
    Esta noite entre mil flores,
    Um sonho todo de amores
    Nos dará de amor um céu!

    6. Horas vivas (1864)

    Noite; abrem-se as flores…
    Que esplendores!
    Cíntia sonha amores
    Pelo céu.
    Tênues as neblinas
    Às campinas
    Descem das colinas,
    Como um véu.

    Mãos em mãos travadas
    Animadas,
    Vão aquelas fadas
    Pelo ar;
    Soltos os cabelos,
    Em novelos,
    Puros, louros, belos,
    A voar.

    — “Homem, nos teus dias
    Que agonias,
    Sonhos, utopias,
    Ambições;
    Vivas e fagueiras,
    As primeiras,
    Como as derradeiras
    Ilusões!

    — Quantas, quantas vidas
    Vão perdidas,
    Pombas malferidas
    Pelo mal!
    Anos após anos,
    Tão insanos,
    Vêm os desenganos
    Afinal.

    — Dorme: se os pesares
    Repousares.
    Vês? — por estes ares
    Vamos rir;
    Mortas, não; festivas,
    E lascivas,
    Somos — horas vivas
    De dormir. —”

    7. Minha musa (1856)

    A Musa, que inspira meus tímidos cantos,

    É doce e risonha, se amor lhe sorri;

    É grave e saudosa, se brotam-lhe os prantos.

    Saudades carpindo, que sinto por ti.

    A Musa, que inspira-me os versos nascidos

    De mágoas que sinto no peito a pungir,

    Sufoca-me os tristes e longos gemidos,

    Que as dores que oculto me fazem trair.

    A Musa, que inspira-me os cantos de prece,

    Que nascem-me d’alma, que envio ao Senhor.

    Desperta-me a crença, que às vezes ‘dormece

    Ao último arranco de esp’ranças de amor.

    A Musa, que o ramo das glórias enlaça,

    Da terra gigante — meu berço infantil,

    De afetos um nome na ideia me traça,

    Que o eco no peito repete: — Brasil!

    A Musa, que inspira meus cantos é livre,

    Detesta os preceitos da vil opressão,

    O ardor, a coragem do herói lá do Tibre,

    Na lira engrandece, dizendo: — Catão!

    O aroma de esp’rança, que n’alma recende,

    É ela que aspira, no cálix da flor;

    É ela que o estro na fronte me acende,

    A Musa que inspira meus versos de amor!

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    8. Naquele eterno azul, onde Coema (1877)

    Naquele eterno azul, onde Coema,

    Onde Lindóia, sem temor dos anos,

    Erguem os olhos plácidos e ufanos,

    Também os ergue a límpida Iracema.

    Elas foram, nas águas do poema,

    Cantadas pela voz de americanos,

    Mostrar às gentes de outros oceanos

    Joias do nosso rútilo diadema.

    E, quando a magna voz inda afinavas

    Foges-nos, como se a chamar sentiras

    A voz da glória pura que esperavas.

    O cantor do Uruguai e o dos Timbiras

    Esperavam por ti, tu lhe faltavas

    Para o concerto das eternas liras.

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    9. No alto (1901)

    O poeta chegara ao alto da montanha,
    E quando ia a descer a vertente do oeste,
           Viu uma cousa estranha,
           Uma figura má.

    Então, volvendo o olhar ao sutil, ao celeste,
    Ao gracioso Ariel, que de baixo o acompanha,
           Num tom medroso e agreste
           Pergunta o que será.

    Como se perde no ar um som festivo e doce,
           Ou bem como se fosse
           Um pensamento vão,

    Ariel se desfez sem lhe dar mais resposta.
           Para descer a encosta
           O outro estendeu-lhe a mão.

    10. Erro (1864)

    Erro é teu. Amei-te um dia
    Com esse amor passageiro
    Que nasce na fantasia
    E não chega ao coração;
    Não foi amor, foi apenas
    Uma ligeira impressão;
    Um querer indiferente,
    Em tua presença, vivo,
    Morto, se estavas ausente,
    E se ora me vês esquivo,
    Se, como outrora, não vês
    Meus incensos de poeta
    Ir eu queimar a teus pés,
    É que, — como obra de um dia,
    Passou-me essa fantasia.
    Para eu amar-te devias
    Outra ser e não como eras.
    Tuas frívolas quimeras,
    Teu vão amor de ti mesma,
    Essa pêndula gelada
    Que chamavas coração,
    Eram bem fracos liames
    Para que a alma enamorada
    Me conseguissem prender;
    Foram baldados tentames,
    Saiu contra ti o azar,
    E embora pouca, perdeste
    A glória de me arrastar
    Ao teu carro… Vãs quimeras!
    Para eu amar-te devias
    Outra ser e não como eras…

    11. Ontem eu era criança (1872)

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    Que brincava nos delírios,

    Ontem, hoje, amanhã

    Entre murta, rosa e lírios,

    No meio d’etéreos círios,

    Nos brincos que a gente alcança;

    Que sonho p’ra mim, que vida

    Nas ânsias tão bem traída!

    Que noites de tanta lida,

    Nos gozos em que não cansa!

    Hoje sou qual triste bardo

    Cismando na virgem bela,

    Nos meigos sorrisos dela;

    Que, porém, já se desvela

    Do futuro vir mui tardo!

    — Pranteio na pobre lira,

    Qual nauta que já suspira

    Nas ânsias em que delira,

    Nas chamas em qu’eu só ardo!

    Amanhã serei no mundo

    Perseguido em meu cansaço,

    Sem já ter amigo braço

    Que me ajude a dar um passo

    Neste pego sem ter fundo;

    Nem sequer a minh’amada

    Se julgando mal fadada

    Não virá mui namorada

    Me mostrar um rir jucundo!

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    12. Os dois horizontes (1863)

    Dous horizonte fecham nossa vida:

    Um horizonte, — a saudade
    Do que não há de voltar;
    Outro horizonte, — a esperança
    Dos tempos que hão de chegar;
    No presente, — sempre escuro, —
    Vive a alma ambiciosa
    Na ilusão voluptuosa
    Do passado e do futuro.

    Os doces brincos da infância
    Sob as asas maternais,
    O vôo das andorinhas,
    A onda viva e os rosais.
    O gozo do amor, sonhado
    Num olhar profundo e ardente,
    Tal é na hora presente
    O horizonte do passado.

    Ou ambição de grandeza
    Que no espírito calou,
    Desejo de amor sincero
    Que o coração não gozou;
    Ou um viver calmo e puro
    À alma convalescente,
    Tal é na hora presente
    O horizonte do futuro.

    No breve correr dos dias
    Sob o azul do céu, — tais são
    Limites no mar da vida:
    Saudade ou aspiração;
    Ao nosso espírito ardente,
    Na avidez do bem sonhado,
    Nunca o presente é passado,
    Nunca o futuro é presente.

    Que cismas, homem? — Perdido
    No mar das recordações,
    Escuto um eco sentido
    Das passadas ilusões.
    Que buscas, homem? — Procuro,
    Através da imensidade,
    Ler a doce realidade
    Das ilusões do futuro.

    Dous horizontes fecham nossa vida.

    13. O meu viver

    Chama-se a vida a um martírio certo
    Em que a alma vive se morrer não pode,
    É crer que há vida p’ra o arbusto seco,
    Que as folhas todas para o chão sacode.

    Dizer que eu vivo… e minha mãe perdi,
    Minha alma geme e o coração de amores,
    É crer que um filho, sem a mãe… sozinho,
    Também existe, com pungentes dores.

    Dizer que vivo, se ausente existo
    Da amante terna, tão formosa e pura,
    E crer que triste desgraçado preso
    Vive também lá na masmorra escura.

    Quero despir-me desta vida má,
    Quero ir viver com minha mãe nos céus,
    Quero ir cantar os meus amores todos,
    Quero depois em ti pensar, meu Deus!

    14. O poeta a rir (1870)

    Taça d’água parece o lago ameno;

    Têm os bambus a forma de cabanas,

    Que as árvores em flor, mais altas, cobrem

    Com verdejantes tetos.

    As pontiagudas rochas entre flores,

    Dos pagodes o grave aspecto ostentam…

    Faz-me rir ver-te assim, ó natureza,

    Cópia servil dos homens.

    15. O verme (1870)

    Existe uma flor que encerra

    Celeste orvalho e perfume.

    Plantou-a em fecunda terra

    Mão benéfica de um nume.

    Um verme asqueroso e feio,

    Gerado em lodo mortal,

    Busca esta flor virginal

    E vai dormir-lhe no seio.

    Morde, sangra, rasga e mina,

    Suga-lhe a vida e o alento;

    A flor o cálix inclina;

    As folhas, leva-as o vento,

    Depois, nem resta o perfume

    Nos ares da solidão…

    Esta flor é o coração,

    Aquele verme o ciúme.

    16. Epitáfio do México

    Dobra o joelho: — é um túmulo.
    Embaixo amortalhado
    Jaz o cadáver tépido
    De um povo aniquilado;
    A prece melancólica
    Reza-lhe em torno à cruz.
    Ante o universo atônito
    Abriu-se a estranha liça,
    Travou-se a luta férvida
    Da força e da justiça;
    Contra a justiça, ó século,
    Venceu a espada e o obus.
    Venceu a força indômita;
    Mas a infeliz vencida
    A mágoa, a dor, o ódio,
    Na face envilecida
    Cuspiu-lhe. E a eterna mácula
    Seus louros murchará.
    E quando a voz fatídica
    Da santa liberdade
    Vier em dias prósperos
    Clamar à humanidade,
    Então revivo o México
    Da campa surgirá.

    17. Pássaros (1870)

    Je veux changer mes pensées en oiseaux.

    C. MAROT

    Olha como, cortando os leves ares,

    Passam do vale ao monte as andorinhas;

    Vão pousar na verdura dos palmares,

    Que, à tarde, cobre transparente véu;

    Voam também como essas avezinhas

    Meus sombrios, meus tristes pensamentos;

    Zombam da fúria dos contrários ventos,

    Fogem da terra, acercam-se do céu.

    Porque o céu é também aquela estância

    Onde respira a doce criatura,

    Filha do nosso amor, sonho da infância,

    Pensamento dos dias juvenis.

    Lá, como esquiva flor, formosa e pura,

    Vives tu escondida entre a folhagem,

    Ó rainha do ermo, ó fresca imagem

    Dos meus sonhos de amor calmo e feliz!

    Vão para aquela estância enamorados,

    Os pensamentos de minh’alma ansiosa;

    Vão contar-lhe os meus dias gozados

    E estas noites de lágrimas e dor.

    Na tua fronte pousarão, mimosa,

    Como as aves no cimo da palmeira,

    Dizendo aos ecos a canção primeira

    De um livro escrito pela mão do amor.

    Dirão também como conservo ainda

    No fundo de minh’alma essa lembrança

    De tua imagem vaporosa e linda,

    Único alento que me prende aqui.

    E dirão mais que estrelas de esperança

    Enchem a escuridão das noites minhas.

    Como sobem ao monte as andorinhas,

    Meus pensamentos voam para ti.

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    18. Perguntas sem resposta (1901)

    Vênus Formosa, Vênus fulgurava
    No azul do céu da tarde que morria,
    Quando à janela os braços encostava
                    Pálida Maria.

    Ao ver o noivo pela rua umbrosa,
    Os longos olhos ávidos enfia,
    E fica de repente cor-de-rosa
                    Pálida Maria.

    Correndo vinha no cavalo baio,
    Que ela de longe apenas distinguia,
    Correndo vinha o noivo, como um raio…
                    Pálida Maria!

    Três dias são, três dias são apenas,
    Antes que chegue o suspirado dia,
    Em que eles porão termo às longas penas…
                    Pálida Maria!

    De confusa, naquele sobressalto,
    Que a presença do amado lhe trazia,
    Olhos acesos levantou ao alto
                    Pálida Maria.

    E foi subindo, foi subindo acima
    No azul do céu da tarde que morria,
    A ver se achava uma sonora rima…
                    Pálida Maria!

    Rima de amor, ou rima de ventura,
    As mesmas são na escala da harmonia.
    Pousa os olhos em Vênus que fulgura
                    Pálida Maria.

    E o coração, que de prazer lhe bate,
    Acha no astro a fraterna melodia
    Que à natureza inteira dá rebate…
                    Pálida Maria!

    Maria pensa: “Também tu, decerto,
    Esperas ver, neste final do dia,
    Um noivo amado que cavalga perto,
                    Pálida Maria?”

    Isto dizendo, súbito escutava
    Um estrépito, um grito e vozeria,
    E logo a frente em ânsias inclinava
                    Pálida Maria.

    Era o cavalo, rábido, arrastando
    Pelas pedras o noivo que morria;
    Maria o viu e desmaiou gritando…
                    Pálida Maria!

    Sobem o corpo, vestem-lhe a mortalha,
    E a mesma noiva, semimorta e fria,
    Sobre ele as folhas do noivado espalha.
                    Pálida Maria!

    Cruzam-se as mãos, na derradeira prece
    Muda que o homem para cima envia,
    Antes que desça à terra em que apodrece.
                    Pálida Maria!

    Seis homens tomam do caixão fechado
    E vão levá-lo à cova que se abria;
    Terra e cal e um responso recitado…
                    Pálida Maria!

    Quando, três sóis passados, rutilava
    A mesma Vênus, no morrer do dia,
    Tristes olhos ao alto levantava
                    Pálida Maria.

    E murmurou: “Tens a expressão do goivo,
    Tens a mesma roaz melancolia;
    Certamente perdeste o amor e o noivo,
                    Pálida Maria?”

    Vênus, porém, Vênus brilhante e bela,
    Que nada ouvia, nada respondia,
    Deixa rir ou chorar numa janela
                    Pálida Maria.

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    19. Reflexo (1858)

    Olha: vem sobre os olhos
    Tua imagem contemplar,
    Como as madonas do céu
    Vão refletir-se no mar
    Pelas noites de verão
    Ao transparente luar!

    Olha e crê que a mesma imagem
    Com mais ardente expressão
    Como as madonas no mar
    Pelas noites de verão,
    Vão refletir-se bem fundo,
    Bem fundo — no coração!

    20. Relíquia íntima (1885)

    Ilustríssimo, caro e velho amigo,
    Saberás que, por um motivo urgente,
    Na quinta-feira, nove do corrente,
    Preciso muito de falar contigo.

    E aproveitando o portador te digo,
    Que nessa ocasião terás presente,
    A esperada gravura de patente
    Em que o Dante regressa do Inimigo.

    Manda-me pois dizer pelo bombeiro
    Se às três e meia te acharás postado
    Junto à porta do Garnier livreiro:

    Senão, escolhe outro lugar azado;
    Mas dá logo a resposta ao mensageiro,
    E continua a crer no teu Machado.

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    21. Travessa (1859)

    Ai; por Deus, por vida minha
    Como és travessa e louquinha!
    Gosto de ti — gosto tanto
    Dessa tua travessura
    Que não me dera o meu encanto,
    Que não dera o meu gostar,
    Nem por estrelas do céu.
    Nem por pérolas ao mar!
    Alma toda de quimeras
    Que acordou no paraíso
    Vinda do leito de Deus;
    E que rivais de teus olhos
    Só tens dois olhos — os teus!
    Pareces mesmo criança
    Que só vive e se alimenta
    De luz, amor e esperança.
    Ave sem medo à tormenta
    Que salta e palpita e ri,
    As travessas primaveras
    Assentam tão bem em ti!
    Assentam sim, como as asas
    Assentam no beija-flor,
    Como o delírio dos beijos

    Em uma noite de amor;
    Como no véu que se agita
    De beleza adormecida
    A brisa mole e sentida!

    Foi por ver-te assim — travessa
    Que eu pus a minha esperança
    No imaginar de criança
    Dessa formosa cabeça…
    Foi por ver-te assim — Que os sonhos
    Eu sei como os tens eu sei.
    Puros, lindos e risonhos.
    Um coração novo e calmo
    Onde a lei do amor — é lei;
    Foi por ver-te assim, que eu venho
    Pôr em ti as fantasias
    De meus peregrinos dias.
    Como a esperança no céu:
    Em ti só, que és tão louquinha,
    Em ti só pôr a minha vida!

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    22. Uma criatura (1901)

    Sei de uma criatura antiga e formidável,
    Que a si mesma devora os membros e as entranhas
    Com a sofreguidão da fome insaciável.

    Habita juntamente os vales e as montanhas;
    E no mar, que se rasga, à maneira de abismo,
    Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.

    Traz impresso na fronte o obscuro despotismo;
    Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
    Parece uma expansão de amor e de egoísmo.

    Friamente contempla o desespero e o gozo,
    Gosta do colibri, como gosta do verme,
    E cinge ao coração o belo e o monstruoso.

    Para ela o chacal é, como a rola, inerme;
    E caminha na terra imperturbável, como
    Pelo vasto areal um vasto paquiderme.

    Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo
    Vem a folha, que lento e lento se desdobra,
    Depois a flor, depois o suspirado pomo.

    Pois essa criatura está em toda a obra:
    Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto;
    E é nesse destruir que as suas forças dobra.

    Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
    Começa e recomeça uma perpétua lida,
    E sorrindo obedece ao divino estatuto.
    Tu dirás que é a Morte; eu direi que é a Vida.

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    23. Um nome (1859)

    [No álbum da Exma. Sra. D. Luísa Amat]

    Dormi ébrio no seio do infinito
    Ao fogo da ilusão que me consome;
    A lira tateei na treva… embalde!
    Nem uma palma coroou meu nome!

    Os meus cantos morrerão no deserto,
    Quebrou-me as notas um noturno vento,
    E o nome que eu quisera erguer tão alto
    No abismo há de cair do esquecimento.

    Sou bem moço, e talvez uma esperança
    Pudesse ainda me despir do lodo;
    E ao sol ardente de um porvir de glórias
    Engrandecer, purificar-me todo.

    Talvez, mas esta sede era tamanha!
    E agora o desespero entrou-me n’alma;
    A brisa de verão queimou-me passando
    A jovem rama da nascente palma!

    E esse nome, esse nome que eu quisera
    Erguer como um troféu, tornou-se em cruz;
    Não cabe aqui, senhora, em vosso livro.
    Pobre como é de glórias e de luz.

    Mas se não tem as palmas que esperava.
    Filho da sombra, em jogo de ilusões.
    Vossa bondade, a unção das almas puras,
    Há de dar-lhe a palavra dos perdões!

    24. Um sorriso (1855)

    Em seus lábios um sorriso
    É a luz do paraíso.
    GARRET

    Não sabes, virgem mimosa,
    Quanto sinto dentro d’alma
    Quando sorris tão formosa
    Sorriso que traz-me a calma:
    Brando sorriso d’amores
    Que se desliza entre as flores
    De teus lábios tão formosos;
    Doce sorriso que afaga
    Do peito a profunda chaga
    De tormentos dolorosos.

    Quando o diviso amoroso
    Por sobre as rosas vivaces
    Torno-me louco, ansioso,
    Desejo beijar-te as faces;

    Corro a ti… porém tu coras
    Logo súbito descoras
    Arrependida talvez…
    Na meiga face t’imprimo
    Doce beijo, doce mimo
    Da paixão que tu bem vês

    Eu gosto, meiga donzela,
    De ver-te sorrindo assim
    Semelhas divina estrela
    Que brilhas só para mim:
    És como uma linda rosa
    Desabrochando mimosa
    Ao respiro da manhã:
    És como serena brisa
    Que no vale se desliza,
    Seu mais terno e doce afã.

    O brando favônio ameno;
    Da fonte o gemer sentido,
    Da lua o brilho sereno
    Sobre um lago refletido
    Não tem mais doces encantos
    Que, sobre os puníceos mantos
    Dos lábios teus um sorriso.

    Sorriso que amor me fala
    Como d’alva o encanto, a gala
    Quando serena a diviso.

    Sorri, sorri, que teu sorriso brando
           Minhas penas acalma;
    É como a doce esp’rança realizada
           Que as ânsias desvanece!

    E se queres em troca dum sorriso
           Uma prova de amor
    Vem para perto de mim m’ escuta ao peito
           Na face um beijo toma…

    25. Vai-te (1858)

    Por que voltaste? Esquecidos

    Meus sonhos, e meus amores

    Frios, pálidos morreram

    Em meu peito. Aquelas flores

    Da grinalda da ventura

    Tão de lágrimas regada,

    Nesta fronte apaixonada

    Cingida por tua mão,

    Secaram, mortas estão.

    Pobre pálida grinalda!

    Faltou-lhe um orvalho eterno

    De teu belo coração.

    Foi de curta duração

    Teu amor: não compreendeste

    Quanto amor esta alma tinha…

    Vai, leviana andorinha,

    A outro clima, outro céu:

    Meu coração? Já morreu

    Para ti e teus amores,

    E não pode amar-te — vai!

    O hino das minhas dores

    Dir-to-á a brisa, à noite,

    Num terno, saudoso — ai —

    Vai-te — e possa a asa do vento

    Que pelas selvas murmura,

    Da grinalda da ventura

    Que em mim outrora cingiste,

    Inda um perfume levar-te,

    Morta assim: como um remorso

    Do teu olvido… eu amar-te?

    Não, não posso; esquece, parte;

    Eu não posso amar-te… vai!

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    26. Versos

    Pede estrelas ao céu, ao campo flores;

    Flores e estrelas ao gentil regaço

    Virão da terra ou cairão do espaço,

    Por te cobrir de aromas e esplendores.

    Versos… pede-os ao vate peregrino

    Que ao céu tomando inspirações das suas,

    A tua mocidade e as graças tuas

    Souber nas notas modular de um hino.

    Mas que flores, que versos ou que estrelas

    Pedir-me vens? A musa que me inspira

    Mal poderia celebrar na lira

    Dotes tão puros e feições tão belas.

    Pois que me abris, no entanto, a porta franca

    Deste livro gentil, casto e risonho,

    Uma só flor, uma só flor lhe ponho

    E seja o nome angélico de Branca.

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    27. 13 de maio (1888)

    Brasileiros, pesai a longa vida
    Da nossa pátria, e a curta vida nossa;
    Se há dor que possa remorder, que possa
    Odiar uma campanha, ora vencida,
    Longe essa dor e os ódios seus extremos;
    Vede que aquele doloroso orvalho
    De sangue nesta guerra não vertemos…
    União, brasileiros! E entoemos
           O hino do trabalho.

    28. Círculo vicioso (1904)

    Bailando no ar, gemia inquieto vagalume:

    __ “Quem me dera que fosse aquella loura estrella,

    Que arde no eterno azul, com uma eterna vela!”

    Mas a estrella, fitando a lua, com ciúme:


    __ “Pudesse eu copiar o transparente lume,

    Que, da grega columna á gothica janella,

    Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bella!”

    Mas a lua, fitando o sol, com azedume:


    “Miseria! Tivesse eu aquella enorme, aquella

    Claridade mortal, que toda luz resume!”

    Mas o sol, enclinando a rutila capella:


    __”Pesa-me esta brilhante aureola de nume.

    Enfara-me esta azul e desmedida umbella…

    Porque não nasci eu um simples vagalume?”

    29. Mundo interior (1901)

    Ouço que a Natureza é uma lauda eterna

    De pompa, de fulgor, de movimento e lida,

    Uma escala de luz, uma escala de vida

    De sol à ínfima luzerna.

    Ouço que a natureza, — a natureza externa, —

    Tem o olhar que namora, e o gesto que intimida

    Feiticeira que ceva uma hidra de Lerna

    Entre as flores da bela Armida.

    E contudo, se fecho os olhos, e mergulho

    Dentro em mim, vejo à luz de outro sol, outro abismo

    Em que um mundo mais vasto, armado de outro orgulho,

    Rola a vida imortal e o eterno cataclismo,

    E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme,

    Um segredo que atrai, que desafia — e dorme.

    30. O desfecho (1901)

    Prometeu sacudiu os braços manietados
    E súplice pediu a eterna compaixão,
    Ao ver o desfilar dos séculos que vão
    Pausadamente, como um dobre de finados.

    Mais dez, mais cem, mais mil e mais um bilião,
    Uns cingidos de luz, outros ensanguentados…
    Súbito, sacudindo as asas de tufão,
    Fita-lhe a água em cima os olhos espantados.

    Pela primeira vez a víscera do herói,
    Que a imensa ave do céu perpetuamente rói,
    Deixou de renascer às raivas que a consomem.

    Uma invisível mão as cadeias dilui;
    Frio, inerte, ao abismo um corpo morto rui;
    Acabara o suplício e acabara o homem.

    31. Espinosa (1901)

    Gosto de ver-te, grave e solitário,
    Sob o fumo de esquálida candeia,
    Nas mãos a ferramenta de operário,
    E na cabeça a coruscante idéia.

    E enquanto o pensamento delineia
    Uma filosofia, o pão diário
    A tua mão a labutar granjeia
    E achas na independência o teu salário.

    Soem cá fora agitações e lutas,
    Sibile o bafo aspérrimo do inverno,
    Tu trabalhas, tu pensas, e executas

    Sóbrio, tranquilo, desvelado e terno,
    A lei comum, e morres, e transmutas
    O suado labor no prêmio eterno.

    32. A Carolina (1906)

    Querida, ao pé do leito derradeiro

    Em que descansas dessa longa vida,

    Aqui venho e virei, pobre querida,

    Trazer-te o coração do companheiro.

    Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro

    Que, a despeito de toda a humana lida,

    Fez a nossa existência apetecida

    E num recanto pôs um mundo inteiro.

    Trago-te flores, – restos arrancados

    Da terra que nos viu passar unidos

    E ora mortos nos deixa e separados.

    Que eu, se tenho nos olhos malferidos

    Pensamentos de vida formulados,

    São pensamentos idos e vividos.

    33. Livros e flores

    Teus olhos são meus livros.
    Que livro há aí melhor,
    Em que melhor se leia
    A página do amor?
    Flores me são teus lábios.
    Onde há mais bela flor,
    Em que melhor se beba
    O bálsamo do amor?

    34. Menina e moça

    Está naquela idade inquieta e duvidosa,
    Que não é dia claro e é já o alvorecer;
    Entreaberto botão, entrefechada rosa,
    Um pouco de menina e um pouco de mulher.

    Às vezes recatada, outras estouvadinha,
    Casa no mesmo gesto a loucura e o pudor;
    Tem coisas de criança e modos de mocinha,
    Estuda o catecismo e lê versos de amor.

    Outras vezes valsando, e* seio lhe palpita,
    De cansaço talvez, talvez de comoção.
    Quando a boca vermelha os lábios abre e agita,
    Não sei se pede um beijo ou faz uma oração.

    Outras vezes beijando a boneca enfeitada,
    Olha furtivamente o primo que sorri;
    E se corre parece, à brisa enamorada,
    Abrir asas de um anjo e tranças de uma huri.

    Quando a sala atravessa, é raro que não lance
    Os olhos para o espelho; e raro que ao deitar
    Não leia, um quarto de hora, as folhas de um romance
    Em que a dama conjugue o eterno verbo amar.

    Tem na alcova em que dorme, e descansa de dia,
    A cama da boneca ao pé do toucador;
    Quando sonha, repete, em santa companhia,
    Os livros do colégio e o nome de um doutor.

    Alegra-se em ouvindo os compassos da orquestra;
    E quando entra num baile, é já dama do tom;
    Compensa-lhe a modista os enfados da mestra;
    Tem respeito a Geslin, mas adora a Dazon.

    Dos cuidados da vida o mais tristonho e acerbo
    Para ela é o estudo, excetuando talvez
    A lição de sintaxe em que combina o verbo
    To love, mas sorrindo ao professor de inglês.

    Quantas vezes, porém, fitando o olhar no espaço,
    Parece acompanhar uma etérea visão;
    Quantas cruzando ao seio o delicado braço
    Comprime as pulsações do inquieto coração!

    Ah! se nesse momento alucinado, fores
    Cair-lhes aos pés, confiar-lhe uma esperança vã,
    Hás de vê-la zombar dos teus tristes amores,
    Rir da tua aventura e contá-la à mamã.

    É que esta criatura, adorável, divina,
    Nem se pode explicar, nem se pode entender:
    Procura-se a mulher e encontra-se a menina,
    Quer-se ver a menina e encontra-se a mulher!

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