Mick Jagger (Companhia das Letras, 2012), é uma biografia não autorizada, e talvez seja isso que faça dela um bom retrato de quem foi o líder dos Rolling Stones. Escrita após anos de pesquisa e entrevistas pelo escritor inglês Philip Norman, contém relatos íntimos de Jagger, os quais muito provavelmente não seriam contados em qualquer livro que passasse por sua censura. Não que o autor não houvesse tentado. Segundo ele, em 2009, duas tentativas foram feitas buscando a cooperação de Mr. Jagger, sendo ambas devidamente ignoradas.
Estava ali, todo gordo e empoeirado (o oposto do biografado, magro e sem dar tempo pra juntar poeira). Ganhei ele há uns três anos, enquanto lia (lia não, saboreava) “Life”, a bio do Keith Richards (outra gorducha, de mais de 600 páginas). Livro veio, livro foi, e conforme foi crescendo meu fervor e euforia desde o anúncio do retorno dos Rolling Stones à América, me lembrei da obra parada na prateleira enquanto uma fila de outros livros passaram na frente. Chegou então sua vez.
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Na década de 80, surgiu uma iniciativa de Mick em lançar sua primeira biografia oficial. Mas a falta de colaboração com seu “ghost writer” em revelar fatos que tornariam o livro como de fato foi sua vida, repleta de incidentes e histórias sexuais das mais descabeladas, tornou o projeto morno, com narrativas rasas e óbvias, que acabou fazendo com que os arquivos fossem engavetados e esquecidos.
“(…) Como seu único biógrafo oficial descobriu, ele não recebe nenhuma porcentagem em dizer a verdade ou em ver a verdade revelada, nem quando se reflete de forma positiva em si mesmo. Os milhões estão todos na mitologia. E os milhões sempre estão em primeiro lugar”(pág 12)
Philip Norman narrou então, desde seus primeiros passos no condado de Kent na Inglaterra até seu primeiro encontro com seu eterno “Glimmer Twin” Keith Richards, quando se esbarraram na estação de trem da cidade, e Mick levava embaixo do braço discos de Muddy Waters e Chuck Berry que deixaram Keith impressionado. Ambos gostavam do rock tocado por brancos na época, mas endeusavam mesmo o blues de raiz tocado pelos negros.
“(…) Aliás, agora ele percebia quanto o rock era um impostor de várias maneiras; como eram insignificantes os jovens e ricos astros brancos em comparação com os bluesmen que tinham escrito a história, tendo a maioria deles morrido na miséria; como aquelas vozes mortas há muito tempo, lamentando ao ritmo de um violão solitário, tinham a ferocidade, o humor, a eloquência e a elegância que nenhum rock’n’roll dos juckeboxes chegavam nem perto.” (pág. 49)
A formação da banda
À partir do momento em que junto a Brian Jones formam os Rolling Stones, Mick Jagger cria a versão que temos até hoje do que é ser uma “estrela do rock”, em oposição de um mero cantor de uma banda. Chamou o foco para si, na maioria das vezes sem utilizar instrumentos e abusando de rebolados, caras e bocas; foi na música a primeira encarnação do que passou a ser chamado “ícone sexual”. Inclusive, tendo posteriormente, inspirado com seus lábios e língua grandes, um dos logos mais lucrativos da história; incansavelmente reproduzido e gerador de cifras astronômicas até os dias atuais.
Ler a biografia é passear por dois mundos: o do líder dos Stones, e o do homem de mil e uma mulheres e sete filhos, sendo por elas aclamado como “um grande amante e um péssimo marido”, (embora um pai presente). Tanto é que ao chegar na metade do livro, onde geralmente se encontram as fotos nas biografias, a impressão que se tem é a de estar folhando um álbum de casamento.
A biografia não deixou a desejar em nenhum momento quanto a contar a história da banda. O autor soube trabalhar muito bem mesclando entre o universo particular de Mick Jagger, e fatos importantes e históricos envolvendo todos os outros Stones. Narrou com devida importância a misteriosa morte de Brian Jones afogado na piscina de sua própria casa; o desastre em Altamont, em 1969, onde um fã foi esfaqueado até a morte na beira do palco enquanto a banda executava “Simpathy for the Devil”; até o histórico show em Copacabana para o maior público de sua história, no Brasil em 2006.
Encerrei a leitura na semana em que conferi a apresentação no Morumbi (em 24 de fevereiro), e foi uma experiência fantástica. Essa relação obra/artista foi vivida em uma sincronia que eu não poderia ter calculado melhor e não me julgo capaz de resenhar tamanha carga de sensações. Simplesmente entendi a longevidade daqueles caras, e posso também afirmar que Philip Norman fez sim um grande trabalho, que sem dúvidas merecia a aprovação do ícone biografado. Mas se não foi o caso, pode se sentir satisfeito por ter prestado grande serviço à história do rock, ao registrar da maneira como o fez, a vida e obra do eterno adolescente: Mick Jagger!