Tentarei explicar melhor: para Franz Kafka (1883-1924), a leitura só deve ser feita se o livro cortar os nossos corações em pedacinhos. Se lágrimas verterem dos olhos e da alma no final de uma leitura. É assim, mais ou menos, que ele se expressa ao escrever uma carta para um amigo:
“De modo geral, acho que devemos ler apenas os livros que nos cortam e nos ferroam. Se o livro que estivermos lendo não nos desperta como um golpe na cabeça, para que perder tempo lendo-o, afinal de contas? Para que nos faça feliz, como você escreveu? Meu Deus, poderíamos ser tão felizes assim se nem tivéssemos livros; livros que nos alegram, nós mesmos também poderíamos escrever num estalar de dedos. Precisamos, na verdade, de livros que no toquem como um doloroso infortúnio, como a morte de alguém que amamos mais do que a nós mesmos, que nos façam sentir como se tivéssemos sido expulsos do convívio para as florestas, distantes de qualquer presença humana, como um suicídio. Um livro tem de ser o machado que rompe o oceano congelado que habita dentro de nós.”
(Citação de Kafka, no livro História da leitura, Steven Roger Fischer, p. 285)
É claro que não são todas as pessoas que irão concordar com Kafka. Eu concordo em parte, porque ainda sinto, muitas vezes, aquela necessidade de ler algo “mais leve” depois de uma leitura que cortou minha alma. E para Steven Roger Fischer, no livro “História da Leitura”, a leitura, que acontece por diversos motivos (religioso, informativo, técnico, entretenimento, etc), acaba, sem querer, restringindo às outras leituras. É certo que algumas preferências literárias acabem causando um distanciamento com outros estilos.
Então, se você curte apenas ler biografias, pode considerar ruim quem lê apenas obras de ficção. Quem lê apenas livros religiosos pode acham um absurdo livros sobre bruxas, por exemplo. Assim, cada um vai criando o seu universo literário. E esse de Kafka, da leitura dos livros que cortam nosso oceano congelado, é o mais especial, para mim como leitora de ficção, mas procuro olhar os outros horizontes, com medo de me tornar uma pessoa cega para outras leituras ou que meu oceano congelado derreta-se ou quebre-se por completo.
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