Bob Dylan ganhou o prêmio Nobel de Literatura 2016 e isso é estranho, pois ele é um músico ganhando um prêmio literário. Ou podemos considerá-lo um poeta, que também é músico?

Estranho e também difícil opinar porque a qualidade do artista é indiscutível, porém, as razões da Academia Sueca para premiar o cantor não são tão convincentes. A pergunta é: não havia um artista que se dedicou aos livros, de fato, que merecia o prêmio? A Academia, muda assim, os critérios para a premiação? Dá pra colocar no próximo ano Chico Buarque nessa lista aí? Renato Russo? Chorão?

Na lista dos indicados havia Lygia Fagundes Telles e Haruki Murakami, dois grandes nomes da literatura e, o algo muito importante: não são europeus ou americanos, considerados os mais “queridinhos” do Nobel (é assunto recorrente no meio literário que o Nobel precisa ampliar seus horizontes). Mas premiar Bob Dylan? Isso demontra uma certa decadência na literatura e um tapa na cara dos escritores. Aqueles que escrevem livros, escrevem poesias, escrevem romances, contos etc. Se isso, depois, será musicado, é outra história, portanto é esse ponto que considero injusta a premiação a um cantor (ele é conhecido, aclamado e considerado genial por sua música, e não pelos livros que escreveu)

Bob Dylan é compositor, cantor, pintor, ator e escritor. Um artista plural, um grande artista. Algumas canções dele podem entrar naquelas listas de canções para a vida, pois possuem a particularidade linda do que é atemporal e único. Porém, é dificil imaginar pessoas falando sobre “o grande escritor Bob Dylan”, porque ele não é escritor, o que, de novo, faz o prêmio Nobel de Literatura entregue a ele ser algo estranho. Muito estranho.

Ele escreve letras de músicas, letras lindas sim, poéticas também. Mas o Prêmio é de Literatura. Ele não faz literatura como objetivo, é apenas uma consequência do trabalho como músico, por isso fica difícil concordar com o prêmio.

Sara Danius, secretária-geral da Academia Sueca, declarou que Dylan foi escolhido “por criar novas expressões poéticas dentro da grande tradição da música americana”. Afirmou também que Bob Dylan foi fortemente influenciado pela geração beatnik e pelos poetas modernos americanos. “Como artista, foi altamente versátil e trabalhou como pintor, ator e autor de roteiros”.

Vamos então mudar o nome do prêmio para Nobel de Música? ou talvez Nobel de Artista?

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12 Comentários

  1. Olha, eu fiquei bem desapontada com essa premiação. Não por o Bob não ser merecedor de homenagens, mas pela obviedade de precisarmos valorizar ESCRITORES. Não é fácil viver de Literatura, sabe-se disso, ainda mais atualmente; não há incentivo à leitura, qualquer um poder ser “autor” de livros e a literariedade das publicações vem sendo deixada de lado em detrimento da comercialidade. Percebo que há muita permissividade quando se trata de Literatura, mas não o contrário, como você pontuou.
    Além de tudo isso, há o fato de haver diversos autores que eram muito dignos da premiação, como o Murakami e a nossa Ligya.

  2. Concordo com o que disse, Fran. É algo muito polêmico, porque coloca algo que talvez eu ainda esteja com o pé atrás antes de atirar só pedras: poesia não é literatura, mesmo que depois vire música? Também acho que nessa deveriam ter criado um Nobel de Música hahaha

  3. Esse é sim um assunto polêmico e opinião cada um vai ter a sua, mas uma coisa é ter sua opinião fundada no estudo e observação de uma matéria, outra é dizer algo sem ter conhecimento de causa, como parece ter sido o caso em “Ele não faz literatura como objetivo, é apenas uma consequência do trabalho como músico”. Porque ele não compôs as letras só pra ter o que balbuciar em acompanhamento de uma melodia. Não, foi um trabalho poético como o é qualquer outro visado para a publicação em livro, em que o cuidado com a métrica, com a mensagem, com a imagética, o ritmo, a concisão e mais, tudo foi pensado antes de ter tomado sua forma final. Então, claro, pode-se discordar do ponto de que ele não visou a princípio que sua obra fosse publicada e lida apenas. Mas assertar que ela não foi concebida com um objetivo, um fim artístico em si, já é demais.

  4. Concordo, uma tapa na cara sem dó, pois a sensação é a de que mudou o jogo depois das regras fechadas, se existe a necessidade de premiar além que o fizessem, criassem o bendito prêmio, mas o Nobel de Literatura não era dele, não aidanta.
    A questão não é a sua obra, trabalho e espaços conquistados de forma inegável, mas o nobel é um outro espaço, um outro lugar, um dos poucos mundiais voltados aos escritores e perdemos a chance de ver um laureado ou laureada merecidamente neste lugar, perdemos num montante inteiro e por mais que digam que Dylan escreve e faz isso e aquilo, tudo bem, mas não é a questão, o debate é outro, o espaço do nobel tem ou tinha um propósito e perdemos um ano inteiro de debate e conhecimento que não vai acontecer, não o faremos.
    Não quero debater as letras do Dylan, não quero ler os seus livros que não ganharam o nobel, queria, sim e muito falar da obra do “escritor ou escritora” que deveria ter ganhado, entender a sua obra, ver um bom livro na prateleira em meio a coisas medonhas que tem ganhado espaço e não o teremos esse ano, nem na Flip, nem da Bienal, nem em lugar nenhum.
    Não discuto o Dylan, meu questionamento é o Nobel e o quanto perdemos, políticamente, isso é um fato que muitos fãs dele na ânsia de defendê-lo não estão entendendo e não querem entender, você fala do propósito do nobel e a pessoa fala do Dylan, mas o Dylan aqui não é o cerne.
    Vim a conhecer e achar incrível a literatura egípcia através do Nobel Naguib Mahfouz e de tantos outros árabes incríveis que ganharam seu espaço e tradução nas prateleiras através dele, hoje a literatura tem espaço e olha para o oriente e me pergunto “Quem será que perdemos com essa guinada? ” Dói só de pensar.

  5. Francine Ramos on

    Olá, Gabriel!
    Quando digo que é consequência como trabalho de músico, em nenhum momento eu disse que isso é fácil de fazer. Como também informei no texto, Dylan é um grande artista. Porém, se seguirmos no seu raciocínio, vamos começar a premiar escritores nos prêmios relacionados à música também. Afinal, a literatura também se preocupa com as questões sonoras das palavras, há muitos escritores que leem suas obras em voz alta para sentir “o som” do texto, há livros que influenciaram muitos discos, de grandes bandas e, óbvio, há muita poesia. Já imaginou que bizarro um escritor ganhando um prêmio de música?
    O objetivo do escritor é produzir uma obra para ser lida sim, mas, principalmente, a questão estética e estrutural de um livro é diferente da música. Sem contar o produto final e o que ele atinge. E sendo o prêmio de LITERATURA, como entregá-lo a um músico? Sem contar que Bob Dylan é conhecido como cantor e não como escritor. Quem aí já leu um livro do cara? Qual o valor do livro dele para a LITERATURA? Volto a repetir: que criem um Nobel de MÚSICA, aí sim.

  6. Francine Ramos on

    Luciene, me dá um abraço? <3
    Adorei muito o que vc escreveu. É exatamente isso: o problema não é o Dylan, o problema é o Nobel.
    Que triste para os escritores, que triste!

  7. Francine Ramos on

    Oi, Mell!!! 🙂
    Desde ontem, quando penso nisso, fico triste! Pois vejo que essa premiação acabou criando um precedente que prejudica muito o trabalho do escritor e também a história da literatura. Imagine como será daqui uns anos, quantos prêmios serão atribuidos assim?
    Como informou a Luciene aqui nos comentários, o problema não é o Dylan, o problema é o Nobel.

  8. Francine Ramos on

    Oi, Helena!
    Pois é… esse prêmio não colaborou absolutamente nada com a literatura. Sempre foi triste ver a elitização do Nobel, mas agora ficou mais feio ainda pra eles…

  9. Heloisa Campos Freire on

    Dylan é é um de meus músicos preferidos, e ñ só por suas canções incríveis q acalentaram, ao menos, três gerações. Mas também por ter sido um grande transgressor, um rebelde contra os conservadores, rebelde outra vez contra os iconoclastas de feira, mas sobretudo por ter marcado a música popular do século XX. Usou para isso palavras e escreveu-as, primeiro a mão, depois à máquina e agora num laptop. Mas as grandes palavras que escreveu, escreveu-as para uma arquitetura que envolve sons, para uma construção a que chamamos música. Cantou palavras e as palavras mudaram um tempo. “Em cima de um palco incendiou um tempo”. Não dentro de um livro!
    Quando um compositor de canções recebe um prêmio de literatura da importância do Nobel, só pode haver uma explicação, e é política. Política no sentido de se adaptar à contemporaneidade e aos costumes de um tempo acelerado – de entropias – em que a leitura “precisa” ser dinâmica, rápida, e estar revestida de efeitos especiais como imagem, som e movimento… e a palavra escrita perde essência e profundidade.
    É melancólico… apesar de toda a música.

  10. Esse prêmio abre um precedente. Se é um precedente positivo ou não, não sei dizer. Mas fiquei confusa com a premiação. Dylan é um artista de qualidade indiscutível e acho que um Nobel de Música faria bem mais sentido do que de literatura.

    Vivemos um momento intenso em que as artes estão cada vez mais permeáveis, cada vez mais interpendentes, mas não exclui os movimentos que acontecem apenas dentro de determinados espaços. Se um escritor ganhasse um prêmio de música, por mais que inspirasse um movimento musical, não seria estranho?

    Então, não é um problema com o Dylan, mas o que o Nobel pensou com o prêmio.

    Ótimo texto, Fran!

  11. Com todo respeito à sua opinião, mas sabe, isso de “é conhecido como músico e não como escritor” não me convence. Parece muito redutor. Como se fulano Só pudesse fazer x e não y com igual sucesso. A gente está sempre focando em uma área de atuação de uma pessoa, e por isso é natural que por exemplo estranhemos que um ator comece a dirigir. Ou seguir carreira de cantor etc.
    Estava ouvindo (e lendo) Bob Dylan recentemente e percebi o quanto me afetou as ideias e imagens que suas letras causaram. São tão sucintas, precisas em comunicar sentimentos, histórias, experiências. Fora que parece mesmo às vezes que o foco acaba sendo mais no que ele canta, como se vc ouvisse a música em si, sem prestar atenção à letra, não fosse o suficiente para prender a atenção; a musica dele em alguns casos, é uma progressão bem livre e repetitiva para acomodar a letra (pegue A hard rain’s a-gonna fall por exemplo). Por isso acho que foi uma escolha acertada a desse ano. (Claro que também estranhei por uns três dias antes de ir ao trabalho do cara para prestar real atenção e verificar o poder deste, – e desculpe se pareci mordaz demais ou descortês no post anterior). Acertada também por lembrar que a literatura não está contida em fronteiras muito restritas (afinal estamos em 2016 e quem pode dar uma resposta “certa” sobre o que de fato é literatura e quando esta deixa de ser?).

  12. Mesmo não acompanhando o trabalho de perto, achei legal. Significou, para mim, um desprendimento de academicismos conservadores, colocando em primeiro plano o estro em si, e, sob um viés teórico, não podemos esquecer que entre as espécies literárias do gênero lírico encontramos a canção, que é uma composição destinada ao canto.
    O engraçado é que realmente muita gente estranhou a premiação, e isso me fez lembrar dos poemas concretistas, dos quais uma parte considerável não foi considerada por muitos como tais porque incorporou elementos não considerados literários; e também de Água Viva, de Clarice Lispector, que há quem ainda diga que não se trata de um romance propriamente dito.
    Enfim, “são as surpreendências da vida”, usando as palavras do nosso escritor do desespero.

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