O Imortal é o primeiro conto da coletânea O Aleph, de Jorge Luis Borges (1899-1986). Publicado em 1949, o conto mantém o que podemos considerar de temas comuns abordados pelo autor: a imortalidade, o tempo, a própria linguagem etc.

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    Jorge Luis Borges é aquele escritor que você desiste de entender mas não desiste de ler. O autor é difícil por conta de sua erudição, mas mesmo assim, de repente lá está você admirando Borges sem mesmo saber por quê.

    O Imortal é a história de um guerreiro que vai atrás de uma cidade onde moram – supostamente, pessoas imortais. Porém, como um recurso borgeano frequente, o leitor não sabe se aquilo realmente aconteceu ou não, pois o próprio narrador da história avisa dos percalços para conseguir relatar todas as ações que envolvem a história. A questão é que ele chega a cumprir o seu desejo, porém, de uma forma muito diferente – traumática, dolorida e misteriosa.

    Entre tantas coisas, Homero, como um personagem, aparece na história. Referências à obra Odisseia, atribuída ao seu nome, completa o quadro desse conto que, entre tantas coisas maravilhosas, permite uma reflexão muito profunda sobre imortalidade e literatura.

    “Pensei num mundo sem memória, sem tempo; considerei a possibilidade de uma linguagem que ignorasse os substantivos, uma linguagem de verbos impessoais ou de epítetos indeclináveis. Assim foram morrendo os dias e com os dias os anos, mas alguma coisa parecida à felicidade ocorreu uma manhã. Choveu, com poderosa lentidão.”  (p.17)

    A não-linguagem

    Outro ponto que não pode ficar de fora, que se destaca neste conto e abre um caminho muito curioso para pensarmos na linguagem é que, para Borges, a linguagem considerada completa é a não-linguagem. Personagens chamados de “trogloditas” aparecem na história como se representassem um tipo de perfeição muito além de nossa compreensão. Eles são figuras absortas e que raramente percebem o mundo físico, como se o tempo cronológico não fizesse parte de seu mundo. E um guerreiro passa anos e anos para tentar se comunicar com um troglodita e sua experiência, quando ocorre a comunicação e quando o personagem demonstra compreender tudo o que lhe aconteceu, é uma desconstrução completa sobre tudo o que se pensa sobre literatura e linguagem.

    Ler Borges é um caminho muito estreito e escuro. Por muitas vezes, independente de ser um leitor experiente ou inexperiente,  vai acontecer aquela sensação de não estar entendendo nada. As palavras, que se unem lindamente, se comunicam de forma difícil. Em uma frase – sempre breve, curta, objetiva, contém tanta coisa que de repente o leitor vai pensar “mas que história mesmo eu estou lendo?”. Isso pode causar uma frustração, mas, até mesmo os grandes especialista do autor afirmam toda essa confusão borgeana como algo natural – talvez proposital em sua obra?

    Há um  trecho da autobiografia de João Silvério Trevisan que, comenta como foi, para ele, ler Borges:

    “Aconteceu então uma combustão literária de altíssima densidade. Tanto os contos quanto os (menos conhecidos) poemas de Borges me fizeram perder equilíbrio e certezas. Eu tinha me deparado com um autêntico enigma literário, cuja simplicidade aparente escondia um bisturi que penetrava do intelecto até a alma. Passei a devorar sua obra, lia e relia certos contos, instigado pelo labirinto borgeano. Quanto mais familiar me parecia sua literatura, mais o fenômeno Borges me desnorteava com seu amálgama de erudição e poesia.”

    Assim, a leitura de uma frase é familiar, mas o contexto em que ela está inserida e os desdobramentos da narrativa fantástica de Borges colocam o leitor nesse labirinto sem saber muito bem o que fazer. Por outro lado, os narradores de Borges (personagens ou o próprio autor?) também revelam estarem nesse mesmo processo, pois relatam as incertezas das histórias que ouviram, que leram há muito tempo ou que supõem as terem vivido.

    A imortalidade e a literatura

    O Imortal, para mim, para a minha leitura, para o que foi possível puxar nesse gigante novelo borgeano, é que a imortalidade se dá por meio da literatura. Os grandes escritores se tornam imortais, os leitores também podem participar disso e até mesmo aqueles que estão no ato da escrita podem beber, mesmo que pequenos goles, da imortalidade.

    O guerreiro, no conto, foi imortal porque bebeu a água da literatura. Por um tempo, viveu todas as maravilhas do mergulho profundo na arte. Depois, como emergiu, sentiu-se pleno, mas o tempo foi tirando suas recordações, até que lhe sobrou a dúvida.

    Ir ao encontro da arte, ou de algo maravilhoso (deus, extasy, ou…) acontece em um breve espaço de tempo e depois, tudo vai se perdendo, enfraquecendo, mas aquela lembrança de glória permanece e pode se repetir, com um ciclo.

    Entre abismos literários existenciais, aprendi que ler Borges é essa força, esse enfraquecimento e um ciclo.

    “Ser imortal é insignificante, todas as criaturas o são, pois ignoram a morte; o divino, o terrível, o incompreensível, é se saber imortal.” (p. 19)

    “Ninguém é alguém, um único homem imortal é todos os homens. Como Cornélio Agrippa, sou deus, sou herói, sou filósofo, sou demônio e sou mundo, o que é uma cansativa maneira de dizer que não sou.” (p. 20)

    “Tudo entre os mortais, tem o valor do irrecuperável e de casual. Entre os imortais, por sua vez, cada ato (e cada pensamento) é o eco de outros que no passado o antecederam, sem princípio visível, ou o fiel presságio de outro que no futuro o repetirão até a vertigem.” (p. 21)

    “Quando o fim se aproxima, jã não restam imagens da recordação, só restam palavras” (p. 22)

    “Palavras, palavras deslocadas e mutiladas, palavras de outros, foi a pobre esmola que lhe deixaram as horas e os séculos.” (p. 25)

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