Eu não posso falar sobre adotar, porque nunca adotei; eu não posso falar sobre ser adotada porque não fui. Então, aqui, o meu lugar de fala pode apenas atingir o pouco que li e ouvi sobre o assunto e mesmo assim, acredito, vai ser muito distante de todos os sentimentos que envolvem a adoção.

    No início do livro “O filho de mil homens“, o escritor português Valter Hugo Mãe, aborda o ponto de vista de um pescador que, quando chega em seus quarenta anos, se sente muito sozinho e por isso, quer adotar uma criança. Ele começa a sua história assim:

    “Um homem chegou aos quarenta anos e assumiu a tristeza de não ter um filho. Chamava-se Crisóstomo. Estava sozinho, os seus amores haviam falhado e sentia que tudo lhe faltava pela metade, como se tivesse apenas metade dos olhos, metade do peito e metade das pernas, metade da casa e dos talheres, metade dos dias, metade das palavras para se explicar às pessoas.”

    O filho de mil homens (Valter Hugo Mãe): a união dos que vivem à margem

    Essa sensação de vazio, de que algo falta, nem sempre vem acompanhada da explicação para esses sentimentos. Há pessoas que vivem uma vida inteira de vazios sem nunca conseguirem dar nomes para esses vazios. Por sorte, o personagem criado por Valter Hugo Mãe consegue agir em relação aos seus desejos. Mas, indo de encontro ao padrão que conhecemos quando se quer adotar uma criança, Crisóstomos, caminha até a praia, contempla o mar e pensa em ter um filho. Na sequência, sabemos que há uma criança na praia. Então, é como se eles esperassem um pelo outro.

    Na vida real tudo pode ser muito diferente, pois nem sempre se reconhece os próprios vazios e, talvez, neste ponto, a vida fica fora dos trilhos e cria-se grandes lendas em torno da adoção. Ah, o filho vai dar problemas, ah, ele vai ser rebelde. E outras tantas bobagens que demonstram apenas preconceitos e egoísmos.

    Ao ler o livro de Valter Hugo Mãe, o leitor terá a oportunidade de conhecer e perceber uma família muito diferente dos padrões sociais. Mas todos ali – à sua maneira – com suas dores, perdas, lutas e ganhos, vivem um belo caminho em relação ao sonhos e a um desejo muito comum para todos nós – de não viver sozinho. Talvez, quando se tem consciência sobre sonhos e amor ao próximo acima de todas as coisas, a adoção realmente se torne algo que transforme.

    O personagem Crisóstomos diz para o seu filho Camilo:

    “(…) todos nascemos filhos de mil pais e de mais de mil mães, e a solidão é sobretudo a incapacidade de ver qualquer pessoa como nos pertencendo, para que nos pertença de verdade e se gere um cuidado mútuo. Como se nossos mil pais e nossas mil mães coincidissem em parte, como se fôssemos por aí irmãos, irmãos uns dos outros. Somos o resultado de tanta gente, de tanta história, tão grandes sonhos que vão passando de pessoa a pessoa, que nunca estaremos sós.”

    Segundo Valter Hugo Mãe, e eu concordo, todos estamos conectados, todos somos afinal, uma grande família chamada humanidade. E deveríamos, com mais facilidade, estarmos sempre prontos para amar. A adoção é sinônimo disso.

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