Divagações acerca de memes à parte, mas inspirado em tempos de pandemia de coronavírus, em receitas de bolo, no conhecimento científico e em outros temas, decidi compartilhar aqui algumas de minhas recentes reflexões sobre as questões que nos têm deixado em casa nessas últimas semanas.

    Nessa quarentena, li alguns relatos de pessoas nas redes sociais dizendo que “nunca antes na história deste país a população mundial fez tantos bolos”. Se eles são verídicos, eu não posso afirmar com certeza. Minha capacidade de pesquisa hoje se limita à observação empírica de minha própria casa, de modo que eu careceria de evidências para defender qualquer teoria científica nesse sentido.

    Agora, se eu proporia tais relatos como uma hipótese científica, com o objetivo de orientar um estudo que levasse à sua constatação ou refutação enquanto teoria, certamente eu o faria, pois mesmo em minha limitada capacidade de análise empírica eu pude observar a verossimilhança dessa afirmação.

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    Parafraseando o personagem Gandalf, das obras do autor, professor e filólogo britânico J. R. R. Tolkien, como não coube a nós decidir por não testemunharmos tempos sombrios como este, o que nos cabe é escolher o que fazer com o tempo que nos é dado. Pois eu decidi fazer bolos! Nunca antes na história deste país eu fiz tanto bolo!

    Divagações acerca de memes à parte, mas inspirado em tempos de pandemia de coronavírus, em receitas de bolo, no conhecimento científico e em outros temas, decidi compartilhar aqui algumas de minhas recentes reflexões sobre as questões que nos têm deixado em casa nessas últimas semanas.

    O coronavírus abriu uma fenda no tempo

    Inicialmente, numa tentativa de descrever o momento, eu diria que parece que esse tal de coronavírus abriu uma fenda no tempo, puxou algumas coisas aleatoriamente, colocou-as em um liquidificador, bateu-as, despejou-as em uma forma, levou-a ao forno por 30 minutos e nos serviu o resultado dessa mistura para degustação.

    Dessa degustação, é possível sentir o sabor nostálgico de um passado em que ciência e imprensa eram respeitadas e valorizadas, só que com um leve toque de um futuro em que o home office se torna uma realidade para a maioria das pessoas, trazendo consigo muitas das respostas às grandes questões energéticas e ambientais que hoje nos afligem.

    Ainda, é possível sentir o delicioso sabor de um tempo indefinido no qual a sociedade não é mais – ou ainda não é – tão líquida e a lógica, ainda que provisoriamente, não é pautada pelo individualismo e pelo consumo, mas com notas acentuadas de um presente bem definido no qual temos um presidente insano governando o nosso país.

    Receitas prontas?

    Mas ao contrário de um bolo, que nós podemos facilmente fazer em casa desde que sigamos alguma das milhares de receitas disponíveis na internet, não há receitas prontas para que possamos superar o estado de emergência em saúde pública decorrente da pandemia do Covid-19 que estamos vivenciando e nem mesmo a crise sem precedentes que se seguirá a ele.

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    Diante disso, é importante termos em mente que há especialistas em todas as áreas do conhecimento tentando desenvolver as receitas para solucionar esses problemas, mesmo com os limitados ingredientes à nossa disposição, e essa é uma tarefa árdua e muitas vezes inglória.

    Portanto, cabe a nós colaborar o máximo possível nessa empreitada, cada um dentro de sua área de conhecimento e de atuação, buscando novas formas de pensar e de atuar profissionalmente diante dessa nova realidade que se desenha, sempre que possível compartilhando boas ideias e inspirando os outros a fazerem o mesmo.

    Além disso, já dizia o ditado popular, “muito ajuda quem não atrapalha”. Tudo bem, nós podemos muitas vezes até nos considerarmos pessoas instruídas, ou até mesmo sermos de fato especialistas dentro de nossas áreas de conhecimento e atuação, ainda assim é importante não invadirmos o lugar de fala do especialista ao lado.

    Se você não é da área da Saúde…

    Nesse sentido, é importante evitarmos emitir opiniões superficiais ou infundadas sobre áreas do conhecimento que não dominamos. Por exemplo: devemos evitar omitir opiniões sobre como enfrentarmos a epidemia se não somos da área da saúde, ou mesmo sobre como superarmos a crise econômica se não somos da área da economia.

    Naturalmente que em diversas ocasiões haverá divergências consideráveis de entendimento sobre como melhor solucionar um problema, mesmo entre os próprios especialistas, que são profundamente conhecedores do assunto.

    E sua postura enquanto plateia em tempos de pandemia?

    O problema não está na divergência entre os especialistas em si, e sim na postura de sua plateia. Nós ficarmos aqui torcendo para um ou para outro não fará com que aquele para quem estamos torcendo esteja certo. O conhecimento científico definitivamente não se constrói dessa maneira.

    Ademais, já são inúmeros os obstáculos que se impõem à nossa frente. Não cabe a nós sermos mais um obstáculo a nós mesmos. O que nos cabe agora é compreender essas dificuldades e nos empenharmos para superá-las juntos, da melhor forma e no menor tempo possíveis.

    E, ainda, isso somente será possível se tivermos a empatia necessária para entendermos que essas dificuldades serão sentidas por outras pessoas muito mais do que por nós mesmos, e se nós entendermos que qualquer gesto de ajuda importa, especialmente se voltado a essas pessoas mais vulneráveis.

    Por fim, para muito além de apenas seguirmos confinados em nossas casas fazendo bolos – o que é importante – para achatar a curva de contágio enquanto assim recomendarem os especialistas em epidemiologia, infectologia e outras áreas afins, cabe a nós também decidirmos, enquanto sociedade, quais são os sabores dessa mistura que permanecerão entre nós quando pudermos sair novamente às ruas, tão logo essa tempestade passe.

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